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“Sem vínculo das crianças com a natureza não há conexão, portanto as Unidades de Conservação devem ser ambientes que forneçam experiências agradáveis para as famílias”
Gestora de projetos em Áreas Protegidas, bióloga, mãe de dois filhos e há mais de 20 anos no setor ambiental, Erika Guimarães é entusiasta da relação criança e natureza, e aceitou o convite para conversar com o Instituto Ekos Brasil a respeito da temática. Apesar da vasta experiência, foi na maternidade que Erika se viu envolvida pela importância das Unidades de Conservação para o crescimento cognitivo, físico e emocional das crianças. Com a curiosidade aguçada, começou a estudar e compreender de que forma a natureza é capaz de transformar a vida dos pequenos.
A falta de vivência do ambiente natural é um dos maiores desafios atuais da sociedade, afirma a bióloga. De acordo com a UNICEF, 55% das crianças do mundo estão separadas da natureza e experimentam a falta de contato com a flora e a fauna no dia a dia, já que a maioria das crianças vive em áreas urbanizadas, dentro de apartamentos, convivem nas escolas com grama sintética e passam a maior parte do tempo em frente às telas. “O fato de ter contato com a natureza nos dá o vínculo com ela e sem vínculo você não tem conexão.”

Se a falta de vivência impede a conexão da criançada, ela também pode reduzir de forma significativa a compreensão de pertencimento ao meio ambiente. Para aperfeiçoar essa relação, enquanto mãe, Erika percebeu ao longo dos anos que o importante é começar este contato por onde é possível.
“Caso tenha uma pracinha perto da sua casa, leve a criança para colocar o pé na areia, se sujar e brincar com a terra. Depois amadureça essa relação levando-a em um parque da cidade quando for possível e logo, quem sabe durante as férias escolares que se aproximam, uma Unidade de Conservação seja um espaço excelente para ela descobrir a grandeza da natureza e criar memórias que levará para sempre.”
Ela retrata que neste período de pandemia, uma das conclusões que podemos tirar é que estamos mais seguros em ambientes abertos do que dentro de uma sala fechada. Então, uma boa maneira de incentivar as crianças que tenham dificuldades em se aventurar nos ambientes naturais é fazer piqueniques ou festas de aniversários em parques.
“A lembrança que ela terá naquele espaço será guardada para sempre. Por exemplo, recentemente levei meu filho, hoje com 12 anos, para o parque onde celebramos seu aniversário de seis anos. Quando chegamos lá, ele me olhou e disse ‘como as pedras e o rio diminuíram!’. Cada vez que ele visitar aquele espaço terá uma nova experiência, mas aquele momento, quando pequeno, ele não irá esquecer. Então, coloque sua máscara, chame os amigos e leve os pequenos para uma nova aventura.”
Por fim, durante nossa conversa, Erika comenta que muitas famílias urbanas têm medo da natureza e que, portanto, é preciso que as Unidades de Conservação, as maiores áreas naturais protegidas, sejam ambientes acolhedores para as famílias e onde as pessoas possam viver uma experiência agradável.
Para isso, ela formula três orientações importantes para gestoras e gestores dessas áreas:
“Costumo dizer que nossa sociedade não é muito tolerante com as crianças, porque criança fala alto, mexe nas coisas, então a primeira coisa é lembrar que você já foi criança, que há um potencial muito grande em ser criança.
“Não precisa ser muita coisa, mas por exemplo ter um espaço de piquenique no parque, onde as pessoas possam esticar sua toalha e fazer um lanchinho ou uma festa de aniversário. Muitas vezes a pessoa chega até o parque por aquele convite de festas de aniversário e começa a conhecer a área e quer retornar!”
“Direcionar projetos para, por exemplo, um dia da semana a escola abrir mão da sala de aula e se lançar no espaço aberto, como um laboratório, um espaço de aprendizagem ativa na natureza. Então fazer essas parcerias e mostrar para os outros que os parques estão abertos para todos os públicos, não só aqueles montanhistas, os aventureiros, mas também para os idosos, para as crianças e suas famílias.”
Recordar da potência de ser criança e como a natureza acompanha as transformações da nossa vida podem ser os primeiros passos para conscientizar as pessoas sobre a importância de preservar o meio ambiente e criar espaços acolhedores todos, em especial para o nosso futuro: as crianças.
Berço das águas e coração do país, quem vive no Cerrado sonha com um Brasil que zele pela vida que brota do bioma.
“Acho que minha história mais forte com o Cerrado é a de viver nele, de conviver com ele”. Nas palavras de Adalberto Gomes dos Santos, agricultor extrativista e Diretor da Coopcerrado, encontramos a proximidade, beleza e simplicidade de quem reconhece que não há palavras tão grandiosas para descrever o berço das águas brasileiras e o coração do nosso país: o Cerrado.
Para termos uma dimensão de sua grandeza, oito das 12 principais regiões hidrográficas do Brasil têm suas nascentes no bioma. E como se já não bastasse para ilustrar sua singular importância, dele surgem as nascentes dos rios que formam o Pantanal, o “reino das águas”.
Então, não é à toa que Adalberto, que vive no e do Cerrado, especificamente no município de Lassance, centro de Minas Gerais, diz que “ele é a caixa d’água do nosso país”.

Adalberto Gomes dos Santos, agricultor extrativista e Diretor da Coopcerrado.
Além da riqueza de belezas naturais – reflexos da diversidade de frutas, plantas, animais, veredas e grandes rios – a região proporciona às pessoas que vivem nele fortunas grandiosas de culturas, saberes e sobrevivência usando os recursos naturais sem destruir e, nas palavras do agricultor, “até multiplicando-os.”
“O Cerrado é de uma riqueza que o seu povo não conhece, só aqueles que vivem nele que conhecem um pouco, não tudo. Mas o Brasil precisava conhecer para valorizá-lo mais e saber o quanto ele é importante para o planeta.”
Para ele, viver da terra o fez conhecer este gigante das águas, defendê-lo, enxergar tantos recursos, belezas e qualidades, e ter um olhar especial também à natureza como um todo. Hoje, Adalberto enxerga que o maior desafio para quem vive na região é mantê-la de pé, já que poucas são as iniciativas que defendem e preservam o bioma.
Entretanto, para o futuro, tem a expectativa de que a sociedade conheça seu valor e a sua importância. “E que tenhamos políticas públicas que consigam defender esse bioma tão importante para a humanidade”, acrescenta com esperança.
São histórias de pessoas como Adalberto que nos fazem acreditar que temos apoiadores em todos os cantos. O Instituto Ekos Brasil atua para que o nosso país zele e preserve a vida que brota do Cerrado.
“O Brasil está no coração do mundo e eu vou trabalhar para que ele esteja no coração da IUCN”. Essas são palavras de Razan Al Mubarak, nova presidenta da União Internacional para Conservação da Natureza (UICN), eleita na tarde do dia 08 de setembro.
Representante dos Emirados Árabes, é a segunda mulher a assumir a presidência da IUCN em 14 mandatos e 73 anos de instituição. A presidenta venceu as eleições com 69% dos votos dos governos e 63% das organizações da sociedade civil e se mostrou entusiasmada com as propostas apresentadas pelos membros brasileiros.
Tanto que, ao ouvir a proposta de que o Brasil seja o país sede de um dos Congressos Mundiais da UICN, sugeriu que o pontapé seja a realização de uma das reuniões com os conselheiros da UICN.
Uma carta aberta foi entregue por membros do Comitê Brasileiro da União Internacional para Conservação da Natureza para candidatos à presidência do International Union of Conservation of Nature (IUCN), durante o Congresso Mundial de Conservação da Natureza de 2021.
O documento levado no último dia 04 de setembro apresenta o escopo de ações que devem ser promovidas e apoiadas pelo Comitê Brasileiro de Membros da IUCN, além de parceiros durante o Congresso. Para Ciça Wey, responsável por relações institucionais e coordenação de projetos do Instituto Ekos Brasil e que acompanhou este movimento, este é um momento importante para que haja o fortalecimento das redes de cooperação do comitê, em especial membros da IUCN em todo o mundo.
Assinam a Carta as organizações que são membros do Comitê Brasileiro da IUCN: Arpemg, Apremavi, CEPAN, CI – Conservação Internacional, Direito por um Planeta Verde, Ecoa, Ekos, Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, FVA – Fundação Vitória Amazônica, IDESAM, Imaflora, Instituto Mamirauá, IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, ISPN, Renctas, Save Brasil, Sociedade Civil Mamirauá , WCS e WWF. Ela está disponível em português, inglês, francês e espanhol.
Com a meta de conservar o meio ambiente e promover soluções para desafios globais a partir de recursos naturais, o evento é realizado de quatro em quatro anos e atrai desde líderes e povos indígenas, até membros da sociedade civil e tomadores de decisão do governo.
Para abordar diferentes debates, o congresso é dividido entre Fórum (centro de debates públicos) e Assembleia de Membros (órgão tomador de decisões da sigla).
O evento 2021, que aconteceria em julho de 2020, é promovido pela União Internacional de Conservação da Natureza e pelo Governo francês, além do apoio de parceiros internacionais. Devido a continuação da pandemia da Covid-19, o Congresso foi repassado para o modelo híbrido e acontece entre os dias 03 e 11 de setembro.
Pesquisador gaúcho fincou raízes há quase quatro décadas na Amazônia e defende que o desenvolvimento sustentável da região passa pelo inquestionável apoio ao conhecimento científico.
Há quase 40 anos, o oceanógrafo gaúcho José Alves Gomes trocou um extremo do país pelo outro. Ainda no final da faculdade se viu apaixonado pela Amazônia, em especial por algumas espécies fascinantes, como o peixe-boi e os peixes-elétricos e desde então, a transição da água salgada para a água doce foi natural e muito rápida.
Hoje, Gomes acumula quase quatro décadas habitando a Amazônia, é pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) – tendo sido seu diretor entre 2003 e 2006 – e acumula ainda dois pós-doutorados no exterior em biologia evolutiva estudando o peixe-elétrico. Mas apesar dos títulos, conquista pela simplicidade e pela boa conversa, típicas de quem mantém um estilo de vida com os pés na natureza.
O Instituto Ekos Brasil entrevistou Gomes com exclusividade para conversar sobre a Amazônia.
O papo logo começou pelo interesse em pesquisar o peixe-elétrico durante todos esses anos. “O peixe-elétrico é um modelo fantástico para se estudar comportamento, porque esse peixe modula o ritmo das descargas elétricas como forma de comunicação. E um segundo aspecto do meu interesse é que esses peixes, a partir do momento que geram e sentem campos elétricos para comunicação e eletrolocalização, são capazes de sentir mudanças físico-químicas na água. Então, se colocarmos poluentes na água, por exemplo, eles mudam o padrão de descarga. Por isso, podem ser empregados como biomonitores de qualidade da água em tempo real”, explica.
Ao comentar sua conexão com o peixe-elétrico fica fácil entender também sua paixão pela Amazônia. E claro, também as dores que afligem nossa majestosa floresta tropical.
“A Amazônia precisa de um carinho especial e ao longo dos governos se tentou fazer vários planos para ela. Mas sempre existiu uma dificuldade muito grande de se pensar a Amazônia de forma estratégica e multifacetada”, comenta. Além disso, os diferentes governos que se sucedem não dão continuidade aos planos desenvolvidos pelos governos anteriores e tentam, continuamente, reinventar a roda.
Para Gomes, todos os atuais modelos de desenvolvimento tradicionais propostos estão defasados. “Não precisamos desmatar mais nada para desenvolver o agronegócio. Já temos terra suficiente e tecnologia de ponta para isso. (…) O barramento completo de rios não é mais necessário, porque o custo ambiental é muito alto em relação ao que se pode obter com outras fontes como energia solar e eólica, que exploramos e investimos muito pouco. Podíamos desenvolver nosso potencial energético com financiamento de pesquisa”.
E também critica a falta de fiscalização na construção de estradas, o verdadeiro problema, de acordo com Gomes, e não a necessidade de conectar dois pontos no mapa. “Até mesmo o garimpo acho que tem solução: com a estatização, com o estado dizendo onde pode e com todo o produto do garimpo sendo vendido para o estado”, completa.
No ponto alto da nossa conversa, Gomes chama a atenção para o que, em sua opinião, é uma crítica e uma proposição. “Acho um erro estratégico enorme pensar que se vai valorizar a Bioeconomia por aqui sem passar pelo fortalecimento das instituições de ensino e pesquisa da Amazônia”, reflete.
Conhecendo de perto instituições como o INPA e as universidades federais e estaduais da região amazônica, o pesquisador não mede as palavras ao criticar as propostas de laboratórios num modelo “Amazônia 4.0”, no meio da selva, de dificílimo acesso, com gestão e manutenção altamente custosos – inclusive pelas condições climáticas que deterioram equipamentos – ao invés de uma séria e completa reestruturação das instituições existentes e hoje depredadas pela falta de investimento financeiro e, tão importante quanto, de pessoal. “Precisamos investir em laboratórios temáticos, para multiusuários e em gente. Precisamos de um plano especial do governo para povoar esses laboratórios e instituições com pesquisadores, técnicos e administrativos para um novo ciclo científico na Amazônia”, completa.
Gomes entende que pesquisa, dados e consequentemente conhecimento sobre a Amazônia são a melhor saída para um desenvolvimento econômico sustentável. Hoje em dia, de acordo com o pesquisador, o Brasil não tem registros consistentes de desembarque pesqueiro, de ciclos de produção sustentável da madeira, os ciclos reprodutivos de espécies economicamente importantes e nem tem feito esforços para negociar acesso a dados em troca de subsídios tecnológicos com outros países. “Nossa soberania na Amazônia só virá quando a dominarmos pelo conhecimento”, afirma.
E acrescenta que apenas o conhecimento é capaz de trazer soluções em bioeconomia e cadeias produtivas locais, como a exploração sustentável das frutas e dos fármacos.
“O homem na Amazônia é uma presença histórica e não podemos negar a ele uma forma digna de rendimento, o que precisamos é um planejamento sério para o desenvolvimento sustentável. E só vamos obter essa capacidade gerencial se conhecermos o sistema. Não dá para gerenciar o que não conhecemos”, finaliza.
O Instituto Ekos Brasil agradece ao pesquisador José Gomes pela disponibilidade e por compartilhar seus conhecimentos sobre a Amazônia.
Entrevista exclusiva com a pesquisadora científica Natália Macedo Ivanauskas.
Lado a lado com as mudanças climáticas e a perda de habitat, as espécies exóticas invasoras são uma das principais ameaças à conservação da biodiversidade, mas pouco se fala sobre isso. Ao ameaçar a flora ou a fauna nativa, causam problemas ambientais, econômicos e de saúde pública e, uma vez estabelecidas, geram ações dispendiosas e complexas para erradicação, controle, monitoramento e restauração dos ecossistemas.
Sem dúvida, o maior exemplo que temos atualmente é a própria pandemia do coronavírus, com origem na China e que ao “invadir” outro território foi capaz de se reproduzir e se disseminar rapidamente, provocando consequências alarmantes.
Por isso, para entender melhor o que são as espécies exóticas invasoras e os desafios dessa temática no Brasil, convidamos para uma conversa a pesquisadora científica do ex-Instituto Florestal e atual Instituto de Pesquisas Ambientais, Natália M. Ivanauskas.
“Primeiro, é preciso compreender que nem toda espécie exótica é invasora. Espécie exótica é uma espécie que ocorre em um determinado ambiente, mas foi introduzida pelo homem em outro ambiente, portanto não estaria ali de forma natural. O conceito de exótica é delimitado pelo território, ou seja, pode ser exótica no Brasil, no Cerrado, em determinada bacia hidrográfica etc. Já a invasora é uma espécie exótica que, ao ser introduzida pelo homem proposital ou acidentalmente, acaba afetando o ecossistema naquela área/região, causando um prejuízo para a biota local. Ela se estabelece, consegue sobreviver sozinha, se reproduz e passa a ser invasora quando a partir daquele local se dispersa e expande sua distribuição sem que precise de ação humana”, explica a pesquisadora.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, o Brasil possui 559 espécies exóticas invasoras em avaliação, sendo 271 delas encontradas em Unidades de Conservação.
“Um caso que podemos citar é do palmito-juçara (Euterpe edulis). Essa palmeira é uma espécie-chave para a Mata Atlântica, pois seus frutos são muito apreciados pela fauna. Está ameaçada de extinção porque tem um caule do tipo estipe que é cortado para a obtenção do palmito, e assim a palmeira morre. Tentando resolver o problema da exploração predatória dessa espécie, foram trazidas da Amazônia mudas do palmito-açaí (Euterpe oleracea) para produzir um híbrido do açaí com o juçara, o “juçaí”, para que ele pudesse perfilhar (ter vários caules), assim o corte do palmito não mataria a planta. Mas deu muito errado, porque tanto o açaí como o híbrido juçaí competem por polinizadores e dispersores, o que diminui a produção de frutos do palmito-juçara, que pode ser extinto nessa disputa desigual.. Agora está em curso um grande projeto que busca o enriquecimento da floresta atlântica paulista com o palmito-juçara, principalmente nas unidades de conservação do Vale do Rio Ribeira de Iguape”, conta Ivanauskas.
E, de fato, são muitos os outros exemplos. Apenas para citar alguns: o sagui-do-nordeste (primata de pequeno porte da espécie Callithrix jacchus ) foi transportado para a região sudeste do Brasil como animal de estimação, via tráfico de animais silvestres, colocando em risco a população de sagui-da-serra-escuro (Callithrix aurita), pois o cruzamento das duas espécies de saguis também formam híbridos que ameaçam a população local; o javaporco resulta do cruzamento do porco doméstico (Sus scrofa domesticus) com o javali-europeu (Sus scrofa scrofa); esse híbrido ultrapassa os 100 kg e ameaça os animais nativos menores, como caititu (Pecari tajacu) e queixada (Tayassu pecari) , causa prejuízos às plantações e pode transmitir doenças para as pessoas; o mosquito Aedes aegypti tem origem no Egito e causa a zica, a dengue e a chikungunya; os capins africanos (Urochloa spp.)servem de pastagem para o gado, mas invadem áreas campestres naturais no Cerrado e a borda de florestas, assim como o pinheiro-americano (Pinus elliottii); no ambiente marinho temos o coral-sol (Tubaestra spp.) e o mexilhão-dourado (Limnoperma fortunei), e nos rios a tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus) e o bagre-africano (Clarias gariepinus).
Existem também plantas ornamentais muito usadas no paisagismo de parques e jardins e que são exóticas invasoras. Um exemplo ocorre no Parque Trianon, na Avenida Paulista, e em outros remanescentes da Mata Atlântica da cidade de São Paulo, com a invasão da palmeira-australiana (Archontophoenix cunninghamiana) introduzida para uso ornamental. Antes do Trianon, o controle dessa palmeira invasora foi testado na “matinha” da USP, reserva de mata atlântica na cidade universitária, coordenado pela Profa. Dra, Vânia Pivello.
“E quando as palmeiras foram cortadas, a pressão contrária foi da própria população que achava que estávamos cortando “a flora”, tirando o alimento dos animais. Foi necessário um amplo trabalho de educação ambiental. Portanto, a desinformação também é um dos entraves para o manejo das espécies exóticas invasoras. Quando tentamos utilizar técnicas como fogo e herbicidas para controle de invasoras, temos resistência até entre cientistas. E às vezes é um mal necessário e aplicado uma só vez para resolver o problema”, explica Ivanauskas.
Outro entrave também vem do mercado econômico que, em casos como da tilápia, da braquiária e até mesmo de plantas ornamentais, faz pressão para que as espécies não sejam rotuladas como exóticas invasoras, com receio de perderem valor comercial ou por dificultarem processos de certificação.
De toda forma, de acordo com a pesquisadora, o conhecimento e o controle dessas espécies melhoraram nos últimos anos. Desde a Rio 92, intensificaram-se os estudos, grupos de trabalho, e foram elaboradas listas nacionais, estaduais e municipais para conhecimento público. Parte dessas iniciativas foram incentivadas e ampliadas pelo Ministério do Meio Ambiente que, desde 2009, conduz a “Estratégia Nacional para Espécies Exóticas Invasoras”.
Em 2019, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) lançou um guia de orientação para o manejo de espécies exóticas invasoras em unidades de conservação federais. Encontra-se em elaboração o diagnóstico brasileiro sobre espécies exóticas invasoras da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), previsto para o primeiro semestre de 2023. São documentos-síntese que informam o melhor meio de realizar a rápida detecção e o controle de processos de invasões biológicas, mas a pesquisadora ressalta que a prevenção ainda é o mais importante, porque é a ação mais barata e mais eficiente.
Pouco conhecida e confundida como vegetação morta, a floresta de mata seca está presente em diferentes biomas do Brasil, como mata atlântica e caatinga.
No Dia de Proteção às Florestas (17), destacamos a biodiversidade e as belezas de uma floresta pouco conhecida e muito desvalorizada. Chamada internacionalmente de Floresta Tropical Seca, no Brasil ela recebe outro nome popular: mata seca. Essa floresta traz consigo riquezas na época de umidade e uma incrível habilidade de adaptação à secura do excesso de frio ou de calor.
Em entrevista ao Instituto Ekos Brasil, Mario Marcos do Espírito Santo, mestre e doutor em ecologia pela UFMG e professor da Universidade Estadual de Montes Claros, traz detalhes sobre a floresta e caminhos para sua valorização em solo brasileiro.
Mario Marcos – Mata seca é uma denominação de uso comum, seu nome científico é Floresta Estacional Decidual, que significa uma floresta localizada em regiões com estações bem delineadas (estacional), nesse caso chuvoso e seco, e que perde mais da metade de suas folhas (decidual). Apesar das discussões sobre o que é uma floresta, dizemos que ela tem porte florestal, mas é muito confundida como uma vegetação morta, dada a perda de suas folhas.
Podemos separá-la em dois tipos principais: uma tropical, localizada de Minas Gerais para cima, e uma subtropical, ao sul do país. A diferença é que as folhas caem no sul por causa do frio, enquanto acima pela seca. No norte de Minas ela pode chegar a perder 90% de suas folhas, daí o nome popular mata seca, porque quando chegamos na floresta ela está realmente muito seca. Já na época das chuvas, ela se assemelha a uma mata atlântica, porque é bem volumosa.
Encontramos essa formação vegetal em quase todos os continentes. Em uma escala global existe a denominação Floresta Tropical Seca, que teria como parte a mata seca. No Brasil não se reconhece a mata seca como bioma e a encontramos principalmente na Caatinga, no Cerrado e na Mata Atlântica. A Caatinga é por alguns estudiosos internacionalmente considerada uma Floresta Tropical Seca, mas a Caatinga não tem o porte florestal em toda a sua extensão, em sua maioria possui um porte arbustivo. Outra característica encontrada em alguns casos é que há matas secas que possuem muitas plantas com espinhos, mas esta não é uma característica geral.
Mario Marcos – Pelo fato delas não serem tão “exuberantes”, no sentido de não atrair tanta atenção como as florestas úmidas, não pensamos nela como uma floresta. Inclusive o nome Caatinga significa mata branca em Tupi, então ela seria a própria mata seca. Por isso, por não considerarem ela rica em biodiversidade, não atrai a atenção do público nacional ou internacional, o que a deixa com falta de atenção. Isso faz com que elas tenham menos pesquisas científicas, o que torna as chances de você conseguir recursos para estudá-las bem curta.
Se formos olhar, a discrepância é enorme entre artigos científicos sobre a mata seca e demais florestas. Se você propuser a criação de recuperação de áreas degradadas, de conservação, é bem menor as chances de conseguir recursos para a mata seca. Então, a chave seria reconhecer a mata pela sua biodiversidade, tanto de flora e fauna, e de recursos ecossistêmicos que ela propicia, como evitar a erosão do solo, sequestrar carbono, diminuir as mudanças climáticas e serem fontes de agentes de controles biológicos. Portanto, o primeiro passo é reconhecê-las como igualmente importantes.
As ameaças que ela sofre outros biomas também sofrem, mas, as florestas úmidas possuem maiores proteções. Na Amazônia a taxa de preservação deve ser de 80%, em outros biomas brasileiros esse número cai para 20%, portanto se eu compro uma terra, tenho que deixar apenas 20% de floresta preservada. Já a Mata Atlântica, está protegida desde 1993 por ferramentas legais que protegem muito mais ela do que outros biomas brasileiros. Isso porque tínhamos apenas 7% da Mata Atlântica preservada no final de 1980 e início de 1990, porque ela sofreu mais desde a chegada dos europeus em solo brasileiro.
Agora, tem um pequeno porém que favorece a mata seca. A Lei da Mata Atlântica (2006) incluiu as florestas decíduas. Isso tem muito a ver com a flora existente nesses ambientes, que teriam elementos de um mesmo bioma. Isso é algo que é difícil de argumentar, apesar das discussões que envolvem este tema. É um critério que chamamos de florísticos. Isso gerou muita controvérsia principalmente no norte de Minas Gerais, quando ruralistas e parte da população criaram outdoors “mata seca não é mata atlântica”.
O IBGE divulgou um mapa de aplicação desta Lei (2008). Nessa época, quando deputados estaduais tentaram nomear a mata seca como uma vegetação específica do Estado, tivemos que fazer um estudo para manter as matas secas de MG nesta Lei. É extremamente necessário lutarmos para que a mata seca permaneça na Lei da Mata Atlântica para que ela seja preservada.
Atualmente estou trabalhando em um artigo que trata de uma análise formal, estatística, mais robusta que mostre a separação da mata seca no brasil, seguindo os estudos das maiores autoridades em mata seca do mundo, que conheci enquanto professor visitante na Universidade Exeter da Inglaterra.
Mario Marcos – As matas secas são o lar de vários povos e comunidades tradicionais, como indígenas e quilombolas, que historicamente deixaram essas matas razoavelmente preservadas. O uso para o extrativismo seria uma forma sustentável que seguiria preceitos agroecológicos de manejos tradicionais destes povos. Os turismos de base comunitária, associado aos povos tradicionais, e sustentável, com espécies de faunas, seriam atrativos.
Hoje, a maior parte do país tem a pecuária extensiva como foco, é um elemento cultural, mas que pode ser feita de maneira sustentável, já que há formas de manejo menos impactantes. A própria EMBRAPA tem direcionamentos de manejos mais sustentáveis, como usar menos pesticidas, não utilizar a queima da vegetação e recuperação de áreas degradadas como uma ferramenta. Vende-se muito o argumento de que perderão milhões de cargos de emprego caso permaneça preservando a vegetação, argumentos falsos e sem embasamentos. Portanto precisamos rebater esse discurso de que o desmatamento é a solução para o Brasil.
Mario Marcos – A beleza da mata seca é a variação do período seco para o chuvoso. Portanto, precisamos alterar a noção de que os ecossistemas secos não têm o mesmo valor, tanto em termos de diversidade ecológica como de cultural. É importante mostrar que são ambientes que, além de biodiversos, são cheios de cavernas, matas secas associadas a solos de origem calcária, flora distintiva e riva; são bem peculiares devido a perda das folhas; agrupam vários animais ameaçados de extinção e possuem diversas culturas associadas a mata seca que sabem o que plantar, como usar as vazantes do rio, etc. Então acho que seria extremamente interessante ressaltar seus aspectos bonitos e demonstrar que ela é um espaço onde a natureza e o ser humano conseguem viver em harmonia.
Há 25 anos, a pesquisadora, cientista e coordenadora da Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira (INCAB), Patrícia Médici, dedica sua vida à preservação da fauna brasileira. Dado seu trabalho no Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), na qual é co-fundadora, foi prestigiada, em 2020, como ganhadora do grande prêmio Whitley Gold Awards – também conhecido como Óscar da Conservação.
Convidamos Patrícia para um bate-papo exclusivo sobre os desafios de ser cientista no Brasil e sobre sua pesquisa com as antas brasileiras.
Patrícia Medici – É bem complexo fazer conservação de espécies no Brasil visto que a maioria dos editais não têm foco neste tipo de ciência. Conseguir recursos no país para trabalhar, é quase que impossível. Cerca de 95% dos financiamentos para os projetos que coordeno há 25 anos vêm de fora, são internacionais. Então essa é uma grande dificuldade.
Por outro lado é um grande desafio preparar os conservacionistas do futuro, que são os jovens que precisam de capacitação, treinamento e oportunidades que nós, grandes projetos, deveríamos poder dar naquele início de carreira para estarem preparados e assumirem o bastão quando não estivermos mais na ativa. E é muito complexo dar essa oportunidades levando em consideração que é quase virtualmente impossível conseguir bolsa para mestrados, doutorados e TCCs.

Uma outra questão é pura e simplesmente a falta de valorização. Nesse momento, a ciência, o pesquisador, o cientista, o conservacionista está, de uma maneira geral, bastante relegado à “escória” da produção, em termos de conhecimento no Brasil. Temos que trabalhar sozinhos com os meios com os quais é possível a gente trabalhar – com suporte internacional no nosso caso – e buscando aplicar nossos resultados para o benefício da conservação dos animais sem nenhum tipo de suporte e vontade política. É complexo.
Patrícia Medici – Bom, são 25 anos de pesquisa com a anta brasileira, uma espécie ameaçada de extinção que tem uma distribuição grande por toda a américa do sul, mas que está presente em algumas eco regiões que estão bastante degradadas, em status de conservação bastante complicados, como a Mata Atlântica, os Llanos na Venezuela, os Chaco na Bolívia e na própria Amazônica no Brasil em alguma áreas. Então a matéria de pesquisa é a anta e sua conservação.
A gente faz pesquisa científica gerando informações de altíssima qualidade, bastante robustos, que então subsidiam o desenvolvimento de estratégias de conservação desse animal nos diferentes biomas onde ela ocorre: atuamos na Mata Atlântica, Pantanal, Cerrado e estamos começando agora na Amazônia. A ideia é coletar informações in loco específicas para aquele animal naquela região, entender quais as ameaças afetando esse bicho naquela região e então, de forma multidisciplinar, ser capaz de olhar para tudo isso e criar essas estratégias, pensar onde conseguimos contribuir e tecer estratégias para implementação de ações.
Um componente muito forte do nosso trabalho é a comunicação para a conservação. Todos sabemos que a anta no Brasil tem um problema muito grande de relações públicas, é um animal usado de maneira pejorativa associado a falta de inteligência, então por meio de ferramentas de comunicação a gente tenta desmistificar essa questão.
Em termos de resultados, acredito que os principais foram relacionados à implementação de medidas de mitigação para diferentes ameaças. A gente tem um trabalho de mitigar a problemática dos atropelamentos de fauna no Mato Grosso do Sul, já fizemos o mesmo no Estado de São Paulo e estamos começando esse processo na Amazônia.
Estamos buscando trabalhar a temática da contaminação por agrotóxicos. Descobrimos que as antas no cerrado do Mato Grosso do Sul estão expostas a estes agroquímicos e contaminadas. Trabalhamos a questão da caça, buscando implementar ações de marketing social, e estamos entrando para tentar resolver a questão da mineração na amazônia e agricultura em larga escala.
Patrícia Medici – Me possibilitou, de maneira geral, fazer o que eu gosto que é estar na natureza, estar no mato, estar com a bota suja na lama. E é lá que eu saio atrás de respostas para as minhas perguntas, na verdade minhas perguntas em grande parte vem de lá, então esse é um grande fator na minha vida.

Então estamos sempre nesse processo de buscar respostas e de fazer progresso em termos de conseguir informações para o nosso objetivo de trabalho. E é a ciência que possibilita a metodologia, são as diferentes escolas científicas que nos ajudam e nos respaldam neste processo e que trazem, enfim, esses desafios e toda essa fascinação que o pesquisador e o cientista tem por fazer descobertas e gerar informações de boa qualidade.
Patrícia Medici – Uma questão muito importante para a gente ter em mente quando falamos de pantanal é que 95% do pantanal são propriedades privadas, grandes fazendas de gado que, se geridas de acordo com os modos tradicionais da criação de gado no pantanal, a gente pode ter certeza que o pantanal estará conosco por vários séculos.

O que são esses modos tradicionais? Manter a floresta porque o gado precisa da sombra; não substituir a pastagem nativa pela exótica, porque a nutrição do gado no pantanal está adaptada para essa pastagem nativa; manter a densidade baixa de animais por área, etc. E o que prejudica o pantanal é quando esses métodos tradicionais deixam de ser aplicados, geralmente por um pantaneiro que esteja buscando, desesperadamente, um retorno maior, como foi o caso da crise da carne de boi em 2008, bem quando a gente chegou no pantanal. Então temos um boom nesse período, mas ainda vemos acontecer essa mudança, principalmente nas bordas do pantanal. Portanto esse é o problema que pode vir a afetar fortemente o pantanal nos próximos anos.
A questão do fogo faz bastante parte desse processo, onde as áreas mais afetadas foram as bordas, e são de maneira geral pessoas que ou utilizaram esse método de manejo de pastagem que é o fogo – muito utilizado de maneira errônea no pantanal – ou esses proprietários que buscam aplicar modos mais intensivos de manejo de gado dentro de planície alagável e resultou nisso tudo. E agora tem todo um processo local no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul: uma gestão bastante ampla de diversas organizações, discutindo formas de reverter este processo. É de fato a maior discussão hoje em dia no que diz respeito à conservação desse bioma.
“Uma área composta por diferentes unidades de conservação próximas, justapostas ou sobrepostas, além de outras áreas protegidas, sejam elas públicas ou privadas”, esta é a definição de Mosaico no “dicionário ambiental”. Conheça o Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu.
Em maio deste ano, o Ekos assumiu a Secretaria Executiva do Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu (MSVP), compromisso que irá perdurar por um ano e que é fruto do trabalho intenso realizado junto ao ICMBio, com o Termo de Cooperação de apoio à administração, gestão socioambiental e logística do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu (MG). O parque faz parte do (MSVP), um dos 17 mosaicos de áreas protegidas identificadas pelo Governo Federal no território brasileiro.
O MSVP é composto por 38 áreas protegidas. Onze delas constam na portaria do Ministério do Meio Ambiente que reconheceu o Mosaico em 2009, já outras 17 foram incorporadas por meio de proposições aprovadas no Conselho do Mosaico. Além disso, ainda há duas terras indígenas e oito Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs).
Localizado na transição entre dois biomas, o Cerrado e a Caatinga, o Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu se encontra entre no norte e noroeste de Minas Gerais, sudoeste da Bahia e sudeste de Goiás. Ademais, ele guarda consigo “manchas” de floresta estacional ou Mata Seca. Além disso, o território do Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu faz parte da região dos Gerais, retratada de forma ímpar por Guimarães Rosa, que descreveu a riqueza cultural dos povos e comunidades tradicionais da região e seu cotidiano associado ao rico ambiente natural.
É justamente por sua riqueza inigualável que sua preservação deve ser tão intensificada.
Segundo a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), é reconhecido um mosaico “quando existir um conjunto de unidades de conservação de categorias diferentes ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas, e outras áreas protegidas públicas ou privadas, constituindo um mosaico, a gestão do conjunto deverá ser feita de forma integrada e participativa, considerando-se os seus distintos objetivos de conservação, de forma a compatibilizar a presença da biodiversidade, a valorização da sociodiversidade e o desenvolvimento sustentável no contexto regional”.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) é responsável por reconhecer mosaicos, a pedido dos órgãos gestores das UC, conforme as diretrizes da Portaria nº 482 de 14 de dezembro de 2010.
A partir dos anos 2000 o mundo passa a conhecer um novo conceito de ameaça à manutenção da biodiversidade, o chamado PADDD (Protected Areas Downsizing, Downgrading and Degazetting, em inglês). Sigla complicada, mas com uma explicação bastante simples: processos, efetivos ou propositivos, de redução, recategorização e extinção de Unidades de Conservação.
Um verdadeiro retrocesso, por vezes justificado por interesses políticos ou locais, mas de impacto amplo e quase sempre negativo e que, infelizmente, também tem ganhado cada vez mais aderência no Brasil, especialmente depois de 2010.
Para aprofundar esse assunto convidamos para uma entrevista exclusiva, conduzida por Ciça Wey de Brito, a gerente de ciências do WWF-Brasil, Mariana Ferreira, há mais de uma década à frente de programas estratégicos da ONG em território nacional.
O WWF mantém uma plataforma para identificação, registro e monitoramento de todas as alterações nos limites e categorias das áreas protegidas brasileiras.
Confira.

Mariana Ferreira
EKOS BRASIL | Mariana, pode nos dar um exemplo de uma área protegida brasileira ameaçada por PADDD, ou seja, que pode ser reduzida ou extinta, para que as pessoas entendam na prática o que isso significa?
Acredito que, hoje, a área protegida com mais biodiversidade ameaçada por PADDD é o Parque Nacional da Serra do Divisor. Ele é um parque bastante importante para a biodiversidade, pois contempla uma ponta da carreira Andina Amazônica do Brasil, então tem um conjunto de espécies que, para o território nacional, só ocorrem no parque. Existiu inclusive uma proposta para que o parque fosse patrimônio natural da UNESCO. Além disso, indígenas e ribeirinhos que vivem dentro e no entorno do parque apoiam sua existência, há uma relevância local de turismo e uma posição estratégica porque a presença do parque acaba por combater o tráfico de drogas, que é muito frequente nessa fronteira.
No entanto, há um projeto de lei hoje para que o parque se torne uma APA (Área de Proteção Ambiental), parar permitir a construção de uma estrada em seu interior. A estrada parece ter apenas relevância local e carece de estudos que comprove seu impacto econômico para a região.
No momento, esse é o parque mais ameaçado por PADDD no Brasil em termos da biodiversidade.
EKOS BRASIL | Além dessa, onde estão as áreas protegidas mais ameaçadas por PADDD?
Hoje, na Amazônia, é onde temos os processos mais ativos de PADDD e os mais frequentes, especialmente associado ao arco do desmatamento, especialmente nos estados de Rondônia e, atualmente, no Acre. Percebemos uma forte correlação entre as unidades de conservação mais desmatadas recentemente e a existência de propostas de PADDD. Na Mata Atlântica temos poucos eventos, sendo que algumas propostas antigas continuam em discussão, especialmente Parque Nacional do Iguaçu e Parque Nacional de São Joaquim.
No Cerrado há menos propostas ativas. Como tivemos um boom de Unidades de Conservação no Cerrado muito mais tardio, as terras produtivas já tinham sido ocupadas.

Parque Nacional da Serra do Divisor: um dos mais ameaçados do Brasil em questão de PADDD
EKOS BRASIL | E quais são os principais motivos que levam a iniciativas de PADDD no Brasil?
A gente tem hoje, no Brasil, três principais fontes ou motivações de PADDD.
A primeira é a (obra de) infraestrutura, muito forte na Amazônia, como as hidrelétricas, estradas, etc. A segunda é a mineração: em 2018, o WWF-Brasil produziu uma análise sobre o enorme volume de pedidos de pesquisa e lavra e áreas protegidas da Amazônia.
Já a terceira é meio difusa, e engloba várias formas, mas podemos citar a invasão e a especulação do mercado imobiliário. Vemos isso por meio de processos de PADDD mais recentes, como o da Resex Jaci-Paraná, em Rondônia, e RESEX Chico Mendes, no Acre: eu invado uma terra ilegalmente, desmato, crio gado, tenho uma posse ali e daqui a pouco, com a alegação que essa área protegida perdeu sua função, os grileiros e invasores são beneficiados. Acho que esse movimento é muito forte e, cada vez mais frequente na Amazônia.
Cabe salientar que nem toda proposta de PADDD é negativa. Existem alguns processos de ajustes necessários para corrigir injustiças históricas na criação de unidades mais antigas. No entanto, esses eventos são exceções. O que defendemos é que os processos de PADDD estejam embasados por estudos técnicos, motivos claros, processos transparentes e democráticos que promovam uma discussão ampla com a sociedade. Não é isso o que acontece na grande maioria das vezes.
EKOS BRASIL | E Mariana, porque o trabalho de identificar, conscientizar e ser contra PADDD é tão importante?
Nós sabemos que as áreas protegidas são hoje as melhores ferramentas para a proteção da biodiversidade que temos. Mas acho que não só. É importante falar que essas áreas são os grandes ativos que nós temos para o desenvolvimento de uma economia mais verde, mais inclusiva e mais sustentável. Vários países inclusive, nesse esforço de recuperação econômica pós-pandemia estão incluindo as áreas protegidas em seu planejamento. Estão olhando essas áreas não apenas como um reduto para reduzir a emissão de carbono e proteger a biodiversidade, mas para a geração de empregos, de uma economia mais moderna, tecnológica, etc.
O mundo está discutindo hoje uma nova meta global para termos, pelo menos, 30% de áreas conservadas e protegidas, até 2030. O Brasil fez uma boa lição de casa em um esforço de criação de áreas protegidas nas últimas décadas, especialmente na Amazônia.
Então, com os eventos de PADDD, nós estamos depauperando nosso patrimônio por coisas que não vão se sustentar no longo prazo, não garantem nenhum meio de riqueza, de economia para as populações locais. De fato, não conseguimos conectar os processos de redução de áreas protegidas com um maior aumento de PIB ou mais bem-estar. Pelo contrário, você tem concentração de renda. O histórico da Reserva Extrativista de Jaci-Paraná é esse: foi uma reserva extrativista criada por demandas de seringueiros que foram expulsos de suas terras, de suas casas, e hoje há ali mais de 120 mil cabeças de gado. É muito triste.
EKOS BRASIL | Você acredita que conseguimos ter algum tipo de envolvimento da sociedade mais efetivo? O WWF-Brasil está pensando em alguma estratégia para intensificar a comunicação sobre isso, tem alguma forma de chamar atenção sobre o tema?
Existem várias estratégias de curto, médio e longo prazo. Uma delas que é médio/longo prazo é que se as pessoas não visitarem, não conhecerem, não entenderem o que são as unidades de conservação, os parques ou as reservas é muito difícil que se envolvam com algo que está muito longe do dia a dia delas.
Uma série de estudos têm mostrado, por exemplo, que crianças que têm mais contato com a natureza tendem a ser adultos que defendem as causas ambientais. É preciso melhorar a qualidade da experiência dos visitantes dos parques e demais áreas, diversificar o público que interage com essas áreas e promover formas de valorizar o papel dos parques e reservas.
A Estrada do Colono, que ameaça o Parque Nacional do Iguaçu para mim é um bom exemplo: o parque é uma área muito visitada, patrimônio natural da Unesco, que gera muita riqueza para a região, e portanto, tem muito mais engajamento social e visibilidade, o que acaba por reduzir a pressão de abertura da estrada no seu interior.
O tema biodiversidade é muito relevante para o WWF-Brasil. Além disso, acreditamos na força da atuação em redes e parcerias. Por isso, uma das atividades que vamos realizar é capacitar e apoiar mais as organizações locais e a sociedade civil sobre os conceitos de PADDD e as estratégias de incidência e comunicação. O primeiro curso já está acontecendo agora para organizações do Cerrado, com o apoio do CEPF.
