Patrícia Medici: 25 anos de dedicação à ciência e conservação da anta brasileira
Há 25 anos, a pesquisadora, cientista e coordenadora da Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira (INCAB), Patrícia Médici, dedica sua vida à preservação da fauna brasileira. Dado seu trabalho no Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), na qual é co-fundadora, foi prestigiada, em 2020, como ganhadora do grande prêmio Whitley Gold Awards – também conhecido como Óscar da Conservação.
Convidamos Patrícia para um bate-papo exclusivo sobre os desafios de ser cientista no Brasil e sobre sua pesquisa com as antas brasileiras.
EKOS BRASIL – Patrícia, imaginamos que ser cientista no Brasil não é nada fácil. Quais são os principais desafios que você enfrenta?
Patrícia Medici – É bem complexo fazer conservação de espécies no Brasil visto que a maioria dos editais não têm foco neste tipo de ciência. Conseguir recursos no país para trabalhar, é quase que impossível. Cerca de 95% dos financiamentos para os projetos que coordeno há 25 anos vêm de fora, são internacionais. Então essa é uma grande dificuldade.
Por outro lado é um grande desafio preparar os conservacionistas do futuro, que são os jovens que precisam de capacitação, treinamento e oportunidades que nós, grandes projetos, deveríamos poder dar naquele início de carreira para estarem preparados e assumirem o bastão quando não estivermos mais na ativa. E é muito complexo dar essa oportunidades levando em consideração que é quase virtualmente impossível conseguir bolsa para mestrados, doutorados e TCCs.
Uma outra questão é pura e simplesmente a falta de valorização. Nesse momento, a ciência, o pesquisador, o cientista, o conservacionista está, de uma maneira geral, bastante relegado à “escória” da produção, em termos de conhecimento no Brasil. Temos que trabalhar sozinhos com os meios com os quais é possível a gente trabalhar – com suporte internacional no nosso caso – e buscando aplicar nossos resultados para o benefício da conservação dos animais sem nenhum tipo de suporte e vontade política. É complexo.
EKOS BRASIL – Qual sua matéria de pesquisa e quais resultados você já alcançou?
Patrícia Medici – Bom, são 25 anos de pesquisa com a anta brasileira, uma espécie ameaçada de extinção que tem uma distribuição grande por toda a américa do sul, mas que está presente em algumas eco regiões que estão bastante degradadas, em status de conservação bastante complicados, como a Mata Atlântica, os Llanos na Venezuela, os Chaco na Bolívia e na própria Amazônica no Brasil em alguma áreas. Então a matéria de pesquisa é a anta e sua conservação.
A gente faz pesquisa científica gerando informações de altíssima qualidade, bastante robustos, que então subsidiam o desenvolvimento de estratégias de conservação desse animal nos diferentes biomas onde ela ocorre: atuamos na Mata Atlântica, Pantanal, Cerrado e estamos começando agora na Amazônia. A ideia é coletar informações in loco específicas para aquele animal naquela região, entender quais as ameaças afetando esse bicho naquela região e então, de forma multidisciplinar, ser capaz de olhar para tudo isso e criar essas estratégias, pensar onde conseguimos contribuir e tecer estratégias para implementação de ações.
Um componente muito forte do nosso trabalho é a comunicação para a conservação. Todos sabemos que a anta no Brasil tem um problema muito grande de relações públicas, é um animal usado de maneira pejorativa associado a falta de inteligência, então por meio de ferramentas de comunicação a gente tenta desmistificar essa questão.
Em termos de resultados, acredito que os principais foram relacionados à implementação de medidas de mitigação para diferentes ameaças. A gente tem um trabalho de mitigar a problemática dos atropelamentos de fauna no Mato Grosso do Sul, já fizemos o mesmo no Estado de São Paulo e estamos começando esse processo na Amazônia.
Estamos buscando trabalhar a temática da contaminação por agrotóxicos. Descobrimos que as antas no cerrado do Mato Grosso do Sul estão expostas a estes agroquímicos e contaminadas. Trabalhamos a questão da caça, buscando implementar ações de marketing social, e estamos entrando para tentar resolver a questão da mineração na amazônia e agricultura em larga escala.
EKOS BRASIL – O que a ciência já possibilitou na sua vida?
Patrícia Medici – Me possibilitou, de maneira geral, fazer o que eu gosto que é estar na natureza, estar no mato, estar com a bota suja na lama. E é lá que eu saio atrás de respostas para as minhas perguntas, na verdade minhas perguntas em grande parte vem de lá, então esse é um grande fator na minha vida.
Então estamos sempre nesse processo de buscar respostas e de fazer progresso em termos de conseguir informações para o nosso objetivo de trabalho. E é a ciência que possibilita a metodologia, são as diferentes escolas científicas que nos ajudam e nos respaldam neste processo e que trazem, enfim, esses desafios e toda essa fascinação que o pesquisador e o cientista tem por fazer descobertas e gerar informações de boa qualidade.
EKOS BRASIL – Patrícia, você que faz pesquisa diretamente no pantanal, a gente sabe que o bioma foi palco de notícias, especialmente no ano passado, por conta dos incêndios. Qual a sua visão sobre o assunto?
Patrícia Medici – Uma questão muito importante para a gente ter em mente quando falamos de pantanal é que 95% do pantanal são propriedades privadas, grandes fazendas de gado que, se geridas de acordo com os modos tradicionais da criação de gado no pantanal, a gente pode ter certeza que o pantanal estará conosco por vários séculos.
O que são esses modos tradicionais? Manter a floresta porque o gado precisa da sombra; não substituir a pastagem nativa pela exótica, porque a nutrição do gado no pantanal está adaptada para essa pastagem nativa; manter a densidade baixa de animais por área, etc. E o que prejudica o pantanal é quando esses métodos tradicionais deixam de ser aplicados, geralmente por um pantaneiro que esteja buscando, desesperadamente, um retorno maior, como foi o caso da crise da carne de boi em 2008, bem quando a gente chegou no pantanal. Então temos um boom nesse período, mas ainda vemos acontecer essa mudança, principalmente nas bordas do pantanal. Portanto esse é o problema que pode vir a afetar fortemente o pantanal nos próximos anos.
A questão do fogo faz bastante parte desse processo, onde as áreas mais afetadas foram as bordas, e são de maneira geral pessoas que ou utilizaram esse método de manejo de pastagem que é o fogo – muito utilizado de maneira errônea no pantanal – ou esses proprietários que buscam aplicar modos mais intensivos de manejo de gado dentro de planície alagável e resultou nisso tudo. E agora tem todo um processo local no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul: uma gestão bastante ampla de diversas organizações, discutindo formas de reverter este processo. É de fato a maior discussão hoje em dia no que diz respeito à conservação desse bioma.