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Espécies exóticas invasoras: ameaça à conservação da biodiversidade brasileira

Cibele Lana 26 jul 2021

Espécies exóticas invasoras: ameaça à conservação da biodiversidade brasileira

Entrevista exclusiva com a pesquisadora científica Natália Macedo Ivanauskas.

Lado a lado com as mudanças climáticas e a perda de habitat, as espécies exóticas invasoras são uma das principais ameaças à conservação da biodiversidade, mas pouco se fala sobre isso. Ao ameaçar a flora ou a fauna nativa, causam problemas ambientais, econômicos e de saúde pública e, uma vez estabelecidas, geram ações dispendiosas e complexas para erradicação, controle, monitoramento e restauração dos ecossistemas.

Sem dúvida, o maior exemplo que temos atualmente é a própria pandemia do coronavírus, com origem na China e que ao “invadir” outro território foi capaz de se reproduzir e se disseminar rapidamente, provocando consequências alarmantes.

Por isso, para entender melhor o que são as espécies exóticas invasoras e os desafios dessa temática no Brasil, convidamos para uma conversa a pesquisadora científica do ex-Instituto Florestal e atual Instituto de Pesquisas Ambientais, Natália M. Ivanauskas.

“Primeiro, é preciso compreender que nem toda espécie exótica é invasora. Espécie exótica é uma espécie que ocorre em um determinado ambiente, mas foi introduzida pelo homem em outro ambiente, portanto não estaria ali de forma natural. O conceito de exótica é delimitado pelo território, ou seja, pode ser exótica no Brasil, no Cerrado, em determinada bacia hidrográfica etc. Já a invasora é uma espécie exótica que, ao ser introduzida pelo homem proposital ou acidentalmente, acaba afetando o ecossistema naquela área/região, causando um prejuízo para a biota local. Ela se estabelece, consegue sobreviver sozinha, se reproduz e passa a ser invasora quando a partir daquele local se dispersa e expande sua distribuição sem que precise de ação humana”, explica a pesquisadora.

 

De acordo com o  Ministério do Meio Ambiente, o Brasil possui 559 espécies exóticas invasoras em avaliação, sendo 271 delas encontradas em Unidades de Conservação.

“Um caso que podemos citar é do palmito-juçara (Euterpe edulis). Essa palmeira é uma espécie-chave para a Mata Atlântica, pois seus frutos são muito apreciados pela fauna. Está ameaçada de extinção porque tem um caule do tipo estipe que é cortado para a obtenção do palmito, e assim a palmeira morre. Tentando resolver o problema da exploração predatória dessa espécie, foram trazidas da Amazônia mudas do palmito-açaí (Euterpe oleracea) para produzir  um híbrido do açaí com o juçara, o “juçaí”,  para que ele pudesse perfilhar (ter vários caules), assim o corte do palmito não mataria a planta. Mas deu muito errado, porque tanto o açaí como o híbrido juçaí competem por polinizadores e dispersores, o que diminui a produção de frutos do palmito-juçara, que pode ser extinto nessa disputa desigual.. Agora está em curso um grande projeto que busca o enriquecimento da floresta atlântica paulista com o palmito-juçara, principalmente nas unidades de conservação do Vale do Rio Ribeira de Iguape”, conta Ivanauskas.

 

E, de fato, são muitos os outros exemplos. Apenas para citar alguns: o sagui-do-nordeste (primata de pequeno porte da espécie Callithrix jacchus ) foi transportado para a região sudeste do Brasil como animal de estimação, via tráfico de animais silvestres, colocando em risco a população de sagui-da-serra-escuro (Callithrix aurita), pois o cruzamento das duas espécies de saguis também formam híbridos que ameaçam a população local; o javaporco resulta do cruzamento do porco doméstico (Sus scrofa domesticus) com o javali-europeu (Sus scrofa scrofa); esse híbrido ultrapassa os 100 kg e ameaça os animais nativos menores, como caititu (Pecari tajacu) e queixada (Tayassu pecari) , causa prejuízos às plantações e  pode transmitir doenças para as pessoas; o mosquito Aedes aegypti tem origem no Egito e causa a zica, a dengue e a chikungunya; os capins africanos (Urochloa spp.)servem de pastagem para o gado, mas invadem áreas campestres naturais no Cerrado e a borda de florestas, assim como o pinheiro-americano (Pinus elliottii); no ambiente marinho temos o coral-sol (Tubaestra spp.) e o mexilhão-dourado (Limnoperma fortunei), e nos rios  a tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus) e o bagre-africano (Clarias gariepinus).

Existem também plantas ornamentais muito usadas no paisagismo de parques e jardins e que são exóticas invasoras. Um exemplo ocorre no Parque Trianon, na Avenida Paulista, e em outros remanescentes da Mata Atlântica da cidade de São Paulo, com a invasão da palmeira-australiana (Archontophoenix cunninghamiana) introduzida para uso ornamental. Antes do Trianon, o controle dessa palmeira invasora foi testado na “matinha” da USP, reserva de mata atlântica na cidade universitária, coordenado pela Profa. Dra, Vânia Pivello.

“E quando as palmeiras foram cortadas, a pressão contrária foi da própria população que achava que estávamos cortando “a flora”, tirando o alimento dos animais. Foi necessário um amplo trabalho de educação ambiental. Portanto, a desinformação também é um dos entraves para o manejo das espécies exóticas invasoras. Quando tentamos utilizar técnicas como fogo e herbicidas para controle de invasoras, temos resistência até entre cientistas. E às vezes é um mal necessário e aplicado uma só vez para resolver o problema”, explica Ivanauskas.

 

Outro entrave também vem do mercado econômico que, em casos como da tilápia, da braquiária e até mesmo de plantas ornamentais, faz pressão para que as espécies não sejam rotuladas como exóticas invasoras,  com receio de perderem valor comercial ou por dificultarem processos de certificação.

De toda forma, de acordo com a pesquisadora, o conhecimento e o controle dessas espécies melhoraram nos últimos anos. Desde a Rio 92, intensificaram-se os estudos, grupos de trabalho, e foram elaboradas listas nacionais, estaduais e municipais para conhecimento público. Parte dessas iniciativas foram incentivadas e ampliadas pelo Ministério do Meio Ambiente que, desde 2009, conduz a “Estratégia Nacional para Espécies Exóticas Invasoras”.

Em 2019, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) lançou um guia de orientação para o manejo de espécies exóticas invasoras em unidades de conservação federais. Encontra-se em elaboração o diagnóstico brasileiro sobre espécies exóticas invasoras da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), previsto para o primeiro semestre de 2023. São documentos-síntese que informam o melhor meio de realizar a rápida detecção e o controle de processos de invasões biológicas, mas a pesquisadora  ressalta que a prevenção ainda é o mais importante, porque é a ação mais barata e mais eficiente.

 

 

 

 

 

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