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Mata seca: com belezas e biodiversidade, floresta esquecida sofre por desvalorização

Cibele Lana 16 jul 2021

Mata seca: com belezas e biodiversidade, floresta esquecida sofre por desvalorização 

Pouco conhecida e confundida como vegetação morta, a floresta de mata seca está presente em diferentes biomas do Brasil, como mata atlântica e caatinga.

No Dia de Proteção às Florestas (17), destacamos a biodiversidade e as belezas de uma floresta pouco conhecida e muito desvalorizada. Chamada internacionalmente de Floresta Tropical Seca, no Brasil ela recebe outro nome popular: mata seca. Essa floresta traz consigo riquezas na época de umidade e uma incrível habilidade de adaptação à secura do excesso de frio ou de calor. 

Em entrevista ao Instituto Ekos Brasil, Mario Marcos do Espírito Santo, mestre e doutor em ecologia pela UFMG e professor da Universidade Estadual de Montes Claros, traz detalhes sobre a floresta e caminhos para sua valorização em solo brasileiro.

 

EKOS  BRASIL – Marcos, muito pouco se sabe sobre a Mata Seca. Pode nos dar um panorama geral de suas características, onde se encontra e se podemos considerar como um Bioma?

Mario Marcos – Mata seca é uma denominação de uso comum, seu nome científico é Floresta Estacional Decidual, que significa uma floresta localizada em regiões com estações bem delineadas (estacional), nesse caso chuvoso e seco, e que perde mais da metade de suas folhas (decidual). Apesar das discussões sobre o que é uma floresta, dizemos que ela tem porte florestal, mas é muito confundida como uma vegetação morta, dada a perda de suas folhas. 

Podemos separá-la em dois tipos principais: uma tropical, localizada de Minas Gerais para cima, e uma subtropical, ao sul do país. A diferença é que as folhas caem no sul por causa do frio, enquanto acima pela seca. No norte de Minas ela pode chegar a perder 90% de suas folhas, daí o nome popular mata seca, porque quando chegamos na floresta ela está realmente muito seca. Já na época das chuvas, ela se assemelha a uma mata atlântica, porque é bem volumosa.

Encontramos essa formação vegetal em quase todos os continentes. Em uma escala global existe a denominação Floresta Tropical Seca, que teria como parte a mata seca. No Brasil não se reconhece a mata seca como bioma e a encontramos principalmente na Caatinga, no Cerrado e na Mata Atlântica. A Caatinga é por alguns estudiosos internacionalmente considerada uma Floresta Tropical Seca, mas a Caatinga não tem o porte florestal em toda a sua extensão, em sua maioria possui um porte arbustivo. Outra característica encontrada em alguns casos é que há matas secas que possuem muitas plantas com espinhos, mas esta não é uma característica geral.

 

EKOS BRASIL – E quais são os maiores desafios para a conservação da Mata Seca atualmente? Quais são os tipos de degradação que ela sofre? E onde?

Mario Marcos – Pelo fato delas não serem tão “exuberantes”, no sentido de não atrair tanta atenção como as florestas úmidas, não pensamos nela como uma floresta. Inclusive o nome Caatinga significa mata branca em Tupi, então ela seria a própria mata seca. Por isso, por não considerarem ela rica em biodiversidade, não atrai a atenção do público nacional ou internacional, o que a deixa com falta de atenção. Isso faz com que elas tenham menos pesquisas científicas, o que torna as chances de você conseguir recursos para estudá-las bem curta.  

Se formos olhar, a discrepância é enorme entre artigos científicos sobre a mata seca e demais florestas. Se você propuser a criação de recuperação de áreas degradadas, de conservação, é bem menor as chances de conseguir recursos para a mata seca. Então, a chave seria reconhecer a mata pela sua biodiversidade, tanto de flora e fauna, e de recursos ecossistêmicos que ela propicia, como evitar a erosão do solo, sequestrar carbono, diminuir as mudanças climáticas e serem fontes de agentes de controles biológicos. Portanto, o primeiro passo é reconhecê-las como igualmente importantes. 

As ameaças que ela sofre outros biomas também sofrem, mas, as florestas úmidas possuem maiores proteções. Na Amazônia a taxa de preservação deve ser de 80%, em outros biomas brasileiros esse número cai para 20%, portanto se eu compro uma terra, tenho que deixar apenas 20% de floresta preservada. Já a Mata Atlântica, está protegida desde 1993 por ferramentas legais que protegem muito mais ela do que outros biomas brasileiros. Isso porque tínhamos apenas 7% da Mata Atlântica preservada no final de 1980 e início de 1990, porque ela sofreu mais desde a chegada dos europeus em solo brasileiro.

Agora, tem um pequeno porém que favorece a mata seca. A Lei da Mata Atlântica (2006) incluiu as florestas decíduas.  Isso tem muito a ver com a flora existente nesses ambientes, que  teriam elementos de um mesmo bioma. Isso é algo que é difícil de argumentar, apesar das discussões que envolvem este tema. É um critério que chamamos de florísticos. Isso gerou muita controvérsia principalmente no norte de Minas Gerais, quando ruralistas e parte da população criaram outdoors “mata seca não é mata atlântica”. 

O IBGE divulgou um mapa de aplicação desta Lei (2008). Nessa época, quando deputados estaduais tentaram nomear a mata seca como uma vegetação específica do Estado, tivemos que fazer um estudo para manter as matas secas de MG nesta Lei. É extremamente necessário lutarmos para que a mata seca permaneça na Lei da Mata Atlântica para que ela seja preservada. 

Atualmente estou trabalhando em um artigo que trata de uma análise formal, estatística, mais robusta que mostre a separação da mata seca no brasil, seguindo os estudos das maiores autoridades em mata seca do mundo, que conheci enquanto professor visitante  na Universidade Exeter da Inglaterra. 

 

EKOS BRASIL – E como essa floresta poderia ser parte de um desenvolvimento sustentável? Quais são seus potenciais em termos de uma exploração sustentável?

Mario Marcos – As matas secas são o lar de vários povos e comunidades tradicionais, como indígenas e quilombolas, que historicamente deixaram essas matas razoavelmente preservadas. O uso para o extrativismo seria uma forma sustentável que seguiria preceitos agroecológicos de manejos tradicionais destes povos. Os turismos de base  comunitária, associado aos povos tradicionais, e sustentável, com espécies de faunas, seriam atrativos.

Hoje, a maior parte do país tem a pecuária extensiva como foco, é um elemento cultural, mas que pode ser feita de maneira sustentável, já que há formas de manejo menos impactantes. A própria EMBRAPA tem direcionamentos de manejos mais sustentáveis, como usar menos pesticidas, não utilizar a queima da vegetação e recuperação de áreas degradadas como uma ferramenta. Vende-se muito o argumento de que perderão milhões de cargos de emprego caso permaneça preservando a vegetação, argumentos falsos e sem embasamentos. Portanto precisamos rebater esse discurso de que o desmatamento é a solução para o Brasil. 

 

EKOS BRASIL – O Instituto Ekos Brasil atua na região do Peruaçu, onde encontramos Mata Seca. Na sua opinião, como podemos contribuir para que a Mata Seca seja mais conhecida pela sociedade?

Mario Marcos – A beleza da mata seca é a variação do período seco para o chuvoso. Portanto, precisamos alterar a noção de que os ecossistemas secos não têm o mesmo valor, tanto em termos de diversidade ecológica como de cultural. É importante mostrar que são ambientes que, além de biodiversos, são cheios de cavernas, matas secas associadas a solos de origem calcária,  flora distintiva e riva; são bem peculiares devido a perda das folhas; agrupam vários animais ameaçados de extinção e possuem diversas culturas associadas a mata seca que sabem o que plantar, como usar as vazantes do rio, etc. Então acho que seria extremamente interessante ressaltar seus aspectos bonitos e demonstrar que ela é um espaço onde a natureza e o ser humano conseguem viver em harmonia. 

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