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“Nossa soberania na Amazônia só virá quando a dominarmos pelo conhecimento”

Cibele Lana 03 set 2021

“Nossa soberania na Amazônia só virá quando a dominarmos pelo conhecimento”

Pesquisador gaúcho fincou raízes há quase quatro décadas na Amazônia e defende que o desenvolvimento sustentável da região passa pelo inquestionável apoio ao conhecimento científico.

Há quase 40 anos, o oceanógrafo gaúcho José Alves Gomes trocou um extremo do país pelo outro. Ainda no final da faculdade se viu apaixonado pela Amazônia, em especial por algumas espécies fascinantes, como o peixe-boi e os peixes-elétricos e desde então, a transição da água salgada para a água doce foi natural e muito rápida.

Hoje, Gomes acumula quase quatro décadas habitando a Amazônia, é pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA)  – tendo sido seu diretor entre 2003 e 2006 – e acumula ainda dois pós-doutorados no exterior em biologia evolutiva estudando o peixe-elétrico. Mas apesar dos títulos, conquista pela simplicidade e pela boa conversa, típicas de quem mantém um estilo de vida com os pés na natureza.

O Instituto Ekos Brasil entrevistou Gomes com exclusividade para conversar sobre a Amazônia.

O papo logo começou pelo interesse em pesquisar o peixe-elétrico durante todos esses anos. “O peixe-elétrico é um modelo fantástico para se estudar comportamento, porque esse peixe modula o ritmo das descargas elétricas como forma de comunicação. E um segundo aspecto do meu interesse é que esses peixes, a partir do momento que geram e sentem campos elétricos para comunicação e eletrolocalização, são capazes de sentir mudanças físico-químicas na água. Então, se colocarmos poluentes na água, por exemplo, eles mudam o padrão de descarga. Por isso, podem ser empregados como biomonitores de qualidade da água em tempo real”, explica.

Ao comentar sua conexão com o peixe-elétrico fica fácil entender também sua paixão pela Amazônia. E claro, também as dores que afligem nossa majestosa floresta tropical.

“A Amazônia precisa de um carinho especial e ao longo dos governos se tentou fazer vários planos para ela. Mas sempre existiu uma dificuldade muito grande de se pensar a Amazônia de forma estratégica e multifacetada”, comenta. Além disso, os diferentes governos que se sucedem não dão continuidade aos planos desenvolvidos pelos governos anteriores e tentam, continuamente, reinventar a roda. 

Para Gomes, todos os atuais modelos de desenvolvimento tradicionais propostos estão defasados. “Não precisamos desmatar mais nada para desenvolver o agronegócio. Já temos terra suficiente e tecnologia de ponta para isso. (…) O barramento completo de rios não é mais necessário, porque o custo ambiental é muito alto em relação ao que se pode obter com outras fontes como energia solar e eólica, que exploramos e investimos muito pouco. Podíamos desenvolver  nosso potencial energético com financiamento de pesquisa”.

E também critica a falta de fiscalização na construção de estradas, o verdadeiro problema, de acordo com Gomes, e não a necessidade de conectar dois pontos no mapa. “Até mesmo o garimpo acho que tem solução: com a estatização, com o estado dizendo onde pode e com todo o produto do garimpo sendo vendido para o estado”, completa.

No ponto alto da nossa conversa, Gomes chama a atenção para o que, em sua opinião, é uma crítica e uma proposição. “Acho um erro estratégico enorme pensar que se vai valorizar a Bioeconomia por aqui sem passar pelo fortalecimento das instituições de ensino e pesquisa da Amazônia”, reflete.

Conhecendo de perto instituições como o INPA e as universidades federais e estaduais da região amazônica, o pesquisador não mede as palavras ao criticar as propostas de laboratórios num modelo “Amazônia 4.0”, no meio da selva, de dificílimo acesso, com gestão e manutenção altamente custosos – inclusive pelas condições climáticas que deterioram equipamentos – ao invés de uma séria e completa reestruturação das instituições existentes e hoje depredadas pela falta de investimento financeiro e, tão importante quanto,  de pessoal. “Precisamos investir em laboratórios temáticos, para multiusuários e em gente. Precisamos de um plano especial do governo para povoar esses laboratórios e instituições com pesquisadores, técnicos e administrativos para um novo ciclo científico na Amazônia”, completa.  

Gomes entende que pesquisa, dados e consequentemente conhecimento sobre a Amazônia são a melhor saída para um desenvolvimento econômico sustentável. Hoje em dia, de acordo com o pesquisador, o Brasil não tem registros consistentes de desembarque pesqueiro, de ciclos de produção sustentável da madeira, os ciclos reprodutivos de espécies economicamente importantes e nem tem feito esforços para negociar acesso a dados em troca de subsídios tecnológicos com outros países. “Nossa soberania na Amazônia só virá quando a dominarmos pelo conhecimento”, afirma.

E acrescenta que apenas o conhecimento é capaz de trazer soluções em bioeconomia e cadeias produtivas locais, como a exploração sustentável das frutas e dos fármacos.

O homem na Amazônia é uma presença histórica e não podemos negar a ele uma forma digna de rendimento, o que precisamos é um planejamento sério para o desenvolvimento sustentável. E só vamos obter essa capacidade gerencial se conhecermos o sistema. Não dá para gerenciar o que não conhecemos”, finaliza.

O Instituto Ekos Brasil agradece ao pesquisador José Gomes pela disponibilidade e por compartilhar seus conhecimentos sobre a Amazônia.

 

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