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PADDD: saiba o que é e como afeta a biodiversidade brasileira

Cibele Lana 24 maio 2021

PADDD: saiba o que é e como afeta a biodiversidade brasileira 

 A partir dos anos 2000 o mundo passa a conhecer um novo conceito de ameaça à manutenção da biodiversidade, o chamado PADDD (Protected Areas Downsizing, Downgrading and Degazetting, em inglês). Sigla complicada, mas com uma explicação bastante simples: processos, efetivos ou propositivos, de redução, recategorização e extinção de Unidades de Conservação. 

Um verdadeiro retrocesso, por vezes justificado por interesses políticos ou locais, mas de impacto amplo e quase sempre negativo e que, infelizmente, também tem ganhado cada vez mais aderência no Brasil, especialmente depois de 2010.

Para aprofundar esse assunto convidamos para uma entrevista exclusiva, conduzida por Ciça Wey de Brito, a gerente de ciências do WWF-Brasil, Mariana Ferreira, há mais de uma década à frente de programas estratégicos da ONG em território nacional.

O WWF mantém uma plataforma para identificação, registro e monitoramento de todas as alterações nos limites e categorias das áreas protegidas brasileiras. 

Confira.

 

Mariana Ferreira

EKOS BRASIL  | Mariana, pode nos dar um exemplo de uma área protegida brasileira ameaçada por PADDD, ou seja, que pode ser reduzida ou extinta, para que as pessoas entendam na prática o que isso significa?

Acredito que, hoje, a área protegida com mais biodiversidade ameaçada por PADDD é o Parque Nacional da Serra do Divisor. Ele é um parque bastante importante para a biodiversidade, pois contempla uma ponta da carreira Andina Amazônica do Brasil, então tem um conjunto de espécies que, para o território nacional, só ocorrem no parque. Existiu inclusive uma proposta para que o parque fosse patrimônio natural da UNESCO. Além disso, indígenas e ribeirinhos que vivem dentro e no entorno do parque apoiam sua existência, há uma relevância local de turismo e uma posição estratégica porque a presença do parque acaba por combater o tráfico de drogas, que é muito frequente nessa fronteira.

No entanto, há um projeto de lei hoje para que o parque se torne uma APA (Área de Proteção Ambiental), parar permitir a construção de uma estrada em seu interior. A estrada parece ter apenas relevância local e carece de estudos que comprove seu impacto econômico para a região. 

No momento, esse é o parque mais ameaçado por PADDD no Brasil em termos da biodiversidade.

EKOS BRASIL | Além dessa, onde estão as áreas protegidas mais ameaçadas por PADDD? 

Hoje, na Amazônia, é onde temos os processos mais ativos de PADDD e os mais frequentes, especialmente associado ao arco do desmatamento, especialmente nos estados de Rondônia e, atualmente, no Acre. Percebemos uma forte correlação entre as unidades de conservação mais desmatadas recentemente e a existência de propostas de PADDD. Na Mata Atlântica temos poucos eventos, sendo que algumas propostas antigas continuam em discussão, especialmente Parque Nacional do Iguaçu e Parque Nacional de São Joaquim.

No Cerrado há menos propostas ativas. Como tivemos um boom de Unidades de Conservação no Cerrado muito mais tardio, as terras produtivas já tinham sido ocupadas. 

Parque Nacional da Serra do Divisor: um dos mais ameaçados do Brasil em questão de PADDD

EKOS BRASIL | E quais são os principais motivos que levam a iniciativas de PADDD no Brasil? 

A gente tem hoje, no Brasil, três principais fontes ou motivações de PADDD.

A primeira é a (obra de) infraestrutura, muito forte na Amazônia, como as hidrelétricas, estradas, etc. A segunda é a mineração: em 2018, o WWF-Brasil produziu uma análise sobre o enorme volume de pedidos de pesquisa e lavra e áreas protegidas da Amazônia. 

Já a terceira é meio difusa, e engloba várias formas, mas podemos citar a invasão e a especulação do mercado imobiliário. Vemos isso por meio de processos de PADDD mais recentes, como o da Resex Jaci-Paraná, em Rondônia, e RESEX Chico Mendes, no Acre: eu invado uma terra ilegalmente, desmato, crio gado, tenho uma posse ali e daqui a pouco, com a alegação que essa área protegida perdeu sua função, os grileiros e invasores são beneficiados. Acho que esse movimento é muito forte e, cada vez mais frequente na Amazônia.

Cabe salientar que nem toda proposta de PADDD é negativa. Existem alguns processos de ajustes necessários para corrigir injustiças históricas na criação de unidades mais antigas. No entanto, esses eventos são exceções. O que defendemos é que os processos de PADDD estejam embasados por estudos técnicos, motivos claros, processos transparentes e democráticos que promovam uma discussão ampla com a sociedade. Não é isso o que acontece na grande maioria das vezes. 

EKOS BRASIL | E Mariana, porque o trabalho de identificar, conscientizar e ser contra PADDD é tão importante?

Nós sabemos que as áreas protegidas são hoje as melhores ferramentas para a proteção da biodiversidade que temos. Mas acho que não só. É importante falar que essas áreas são os grandes ativos que nós temos para o desenvolvimento de uma economia mais verde, mais inclusiva e mais sustentável. Vários países inclusive, nesse esforço de recuperação econômica pós-pandemia estão incluindo as áreas protegidas em seu planejamento. Estão olhando essas áreas não apenas como um reduto para reduzir a emissão de carbono e proteger a biodiversidade, mas para a geração de empregos, de uma economia mais moderna, tecnológica, etc. 

O mundo está discutindo hoje uma nova meta global para termos, pelo menos, 30% de áreas conservadas e protegidas, até 2030. O Brasil fez uma boa lição de casa em um esforço de criação de áreas protegidas nas últimas décadas, especialmente na Amazônia. 

Então, com os eventos de PADDD, nós estamos depauperando nosso patrimônio por coisas que não vão se sustentar no longo prazo, não garantem nenhum meio de riqueza, de economia para as populações locais. De fato, não conseguimos conectar os processos de redução de áreas protegidas com um maior aumento de PIB ou mais bem-estar. Pelo contrário, você tem concentração de renda. O histórico da Reserva Extrativista de Jaci-Paraná é esse: foi uma reserva extrativista criada por demandas de seringueiros que foram expulsos de suas terras, de suas casas, e hoje há ali mais de 120 mil cabeças de gado. É muito triste.

EKOS BRASIL | Você acredita que conseguimos ter algum tipo de envolvimento da sociedade mais efetivo? O WWF-Brasil está pensando em alguma estratégia para intensificar a comunicação sobre isso, tem alguma forma de chamar atenção sobre o tema?

Existem várias estratégias de curto, médio e longo prazo. Uma delas que é médio/longo prazo é que se as pessoas não visitarem, não conhecerem, não entenderem o que são as unidades de conservação, os parques ou as reservas é muito difícil que se envolvam com algo que está muito longe do dia a dia delas.

Uma série de estudos têm mostrado, por exemplo, que crianças que têm mais contato com a natureza tendem a ser adultos que defendem as causas ambientais. É preciso melhorar a qualidade da experiência dos visitantes dos parques e demais áreas, diversificar o público que interage com essas áreas e promover formas de valorizar o papel dos parques e reservas.

A Estrada do Colono, que ameaça o Parque Nacional do Iguaçu para mim é um bom exemplo: o parque é uma área muito visitada, patrimônio natural da Unesco, que gera muita riqueza para a região, e portanto, tem muito mais engajamento social e visibilidade, o que acaba por reduzir a pressão de abertura da estrada no seu interior. 

O tema biodiversidade é muito relevante para o WWF-Brasil. Além disso, acreditamos na força da atuação em redes e parcerias. Por isso, uma das atividades que vamos realizar é capacitar e apoiar mais as organizações locais e a sociedade civil sobre os conceitos de PADDD e as estratégias de incidência e comunicação. O primeiro curso já está acontecendo agora para organizações do Cerrado, com o apoio do CEPF.  

 

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