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Mosaico no “dicionário ambiental” significa uma área composta por diferentes unidades de conservação próximas, justapostas ou sobrepostas, além de outras áreas protegidas, sejam elas públicas ou privadas.
A história do Instituto Ekos Brasil se cruza com um dos 17 mosaicos de áreas protegidas reconhecidos pelo governo federal existentes no Brasil. Como parceiros e apoiadores do ICMBio na administração, logística e gestão socioambiental do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, em Minas Gerais, temos também uma estreita ligação com o Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu (MSVP).
O MSVP é composto por 38 áreas protegidas: onze delas constam na portaria do Ministério do Meio Ambiente que reconheceu o Mosaico em 2009; outras 17 foram incorporadas por meio de proposições aprovadas no Conselho do Mosaico; e ainda 2 terras indígenas e 8 RPPNs – Reserva Particular do Patrimônio Natural.
Localizado no norte e noroeste de Minas Gerais, sudoeste da Bahia e sudeste de Goiás, o Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu está na transição entre dois biomas, o Cerrado e a Caatinga, guardando também manchas de floresta estacional ou Mata Seca. Por isso, é detentor de uma riqueza natural inigualável. Além disso, o território do Mosaico Veredas-Peruaçu faz parte da região dos Gerais, retratada de forma ímpar por Guimarães Rosa, que descreveu a riqueza cultural dos povos e comunidades tradicionais da região e seu cotidiano associado ao rico ambiente natural.
O documento que busca a gestão integrada dessas Unidades de Conservação e elaborado pelo ecossistema de organizações que atuam no território é o Plano Territorial de Base Conservacionista, elaborado em 2010 e atualizado em 2019, com coordenação da Funatura e financiado pelo CEPEF. De acordo com esse plano, a gestão do território deve levar em consideração 6 eixos de atuação com o objetivo de promover o desenvolvimento da região em bases sustentáveis e integrado ao manejo das unidades de conservação e demais áreas protegidas.
Turismo sustentável, extrativismo vegetal racional, agroecologia, agropecuária sustentável, conservação dos recursos hídricos e gestão integrada são os grandes eixos temáticos tratados no plano.
Podemos dizer que, em termos de Brasil, o Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu é protagonista, dentre os outros mosaicos, de iniciativas sustentáveis já bem estruturadas.
No que diz respeito ao Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, já presenciamos um amplo envolvimento da comunidade com o parque, que agora, além das atividades agropecuárias tradicionais na região, enxerga na conservação da natureza uma importante fonte de geração de renda a partir do turismo sustentável. Este ano, inclusive, a região ganhou um novo projeto nesse sentido, o “Acelerando o turismo sustentável no vale do Peruaçu”, uma parceria do Instituto Ekos Brasil com o Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF, na sigla em inglês).
Além do incentivo ao turismo sustentável de forma estrutural, o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu também se destaca por ser uma das poucas Unidades de Conservação brasileiras detentoras de um Plano de Manejo, desenvolvido pelo Instituto Ekos Brasil, e que orienta o desenvolvimento sustentável na área do parque.
Por fim, citamos também o acordo de Cooperação entre o Instituto Ekos Brasil e o ICMBio que proporcionou ao Parque um acompanhamento profissional e orientado da construção da sua infraestrutura, como o centro de visitantes e trilhas.
[su_box title=”Veja o significado de Mosaico” box_color=”#6094a1″ title_color=”#ffffff”]
De acordo com lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), é reconhecido um mosaico “quando existir um conjunto de unidades de conservação de categorias diferentes ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas, e outras áreas protegidas públicas ou privadas, constituindo um mosaico, a gestão do conjunto deverá ser feita de forma integrada e participativa, considerando-se os seus distintos objetivos de conservação, de forma a compatibilizar a presença da biodiversidade, a valorização da sociodiversidade e o desenvolvimento sustentável no contexto regional”.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) é responsável por reconhecer mosaicos, a pedido dos órgãos gestores das UC, conforme as diretrizes da Portaria nº 482 de 14 de dezembro de 2010.
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Saiba mais sobre o Peruaçu.
Acesse: fundoperuacu.ekosbrasil.org
O dia 15 de outubro marca uma data muito importante para o mundo atual, o Dia do Consumo Consciente. A celebração foi instituída no Brasil pelo Ministério do Meio Ambiente no ano de 2009 como uma forma de chamar a atenção para os perigos da produção e consumo exagerados que fazem parte do modo de vida da sociedade contemporânea. Afinal, muitos dos problemas sociais, econômicos e ambientais têm origem ou são influenciados pelo consumismo.
Uma das questões centrais desta data é o ensino de uma economia sustentável, além do conhecimento sobre o que a cadeia produtiva e a compra de um bem representam. A conscientização sobre os efeitos das ações humanas para a natureza é uma das melhores formas de começar uma verdadeira mudança na cultura e nos hábitos de consumo.
Exemplo disso é conhecer o que implica a produção de um bem, sejam os recursos hídricos utilizados ou o quanto de carbono é gerado para a realização de um serviço. É apenas tendo a noção das consequências de cada objeto ou ação que é possível trabalhar para diminuir a utilização de materiais tóxicos e a emissão de poluentes, além de facilitar essa luta ao incluir a pressão da própria sociedade para que mudanças sejam feitas.
Outro ponto importante é que o consumo consciente implica que cada pessoa, individualmente, pode ajudar a minimizar o impacto da atividade humana no planeta. Por meio de ações voluntárias e cotidianas, como o planejamento de compras por necessidade e não por simples impulso, a reciclagem e a valorização de empresas que tenham responsabilidade social e ecológica, é possível que cada um diminua a sua própria pegada ecológica e os danos ao meio ambiente.
O impacto de cada um e o caminho para a sustentabilidade
Mas para que isso realmente funcione é preciso entender qual é o papel do indivíduo na crise ambiental. A ideia de que cada um tem responsabilidade sobre a emergência climática e que pode ajudar a combater a degradação da natureza já tem décadas. Foi em 1996 que o cálculo da pegada ecológica foi teorizado, levando em conta os hábitos diários da população e a utilização de recursos naturais para descobrir o impacto ambiental da vida humana na Terra.
Nesse sentido, elementos como a alimentação, transporte, energia e bens e serviços utilizados têm um impacto no meio ambiente. Principalmente quando as pessoas fazem uso desses recursos mais do que seria necessário para manter uma boa qualidade de vida. Consumismo, desperdício e mal-uso de qualquer produto representam a exploração predatória do planeta.
Seja em quantos litros de água são usados para a produção de uma calça jeans – cerca de dez mil litros – ou até no material que não é reciclado, em tudo há um preço para a natureza. É por isso que o dia 15 de outubro busca conscientizar as pessoas sobre o consumo consciente. Se cada um utilizar apenas o necessário e preservar os recursos naturais, esses efeitos podem ser minimizados ou até mesmo criar repercussões positivas.
Esse é o momento ideal para se refletir sobre o que é possível mudar no dia a dia para que a sociedade consiga se aproximar cada vez mais da sustentabilidade e da convivência em harmonia com a natureza.
E para facilitar esse processo de alteração de hábitos, é possível conhecer qual é a sua pegada ecológica com a calculadora desenvolvida pela ONG WWF-Brasil (World Wide Fund for Nature). Faça o cálculo e descubra o que você pode mudar e quais práticas pode adotar de agora em diante para colaborar com o planeta e a vida de todos.
Entrevistamos o ornitólogo Wagner Nogueira para conhecer a profissão, seus desafios e sua experiência no estudo das aves do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu. Confira na íntegra.
Wagner. Acho que nasci biólogo. Desde que me entendo por gente era fascinado por qualquer tipo de bicho e por natureza em geral. Gostava mais de documentários da BBC do que qualquer desenho. O interesse pelas aves especificamente começou de forma não muito saudável, com as espécies criadas em cativeiro. A motivação era tê-las por perto, entende-las, mas isso me levou a cria-las em cativeiro durante boa parte da infância. Mas foi só no fim da graduação que eu entendi que dava pra usar as aves para entender e mudar o mundo ao meu redor. Isso aconteceu quando, por influência de um amigo, comecei a estagiar no laboratório de Ornitologia do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas. Nosso projeto consistia no monitoramento da avifauna do Instituto Inhotim. Em paralelo me envolvi com um grupo de observadores de aves em Belo Horizonte e participei da fundação da ONG ECOAVIS.
Wagner. As áreas de atuação do ornitólogo são quase tão variadas quanto as áreas de conhecimento da biologia. Num gradiente que vai desde inventários e monitoramentos de aves até neurociência e cognição, passando por fisiologia, anatomia e uma infinidade de outros temas. Isso porque ser ornitólogo, por definição, é ter aves como objeto de estudo. Mais comumente o termo é utilizado para se referir aos ornitólogos de campo, que vão estudar as aves na natureza e acabam se especializando em sua identificação, distribuição, ecologia e história natural. Mesmo considerando essa definição mais restrita e frequente de ornitólogo, o trabalho desses profissionais tem implicações que vão muito além da ornitologia. Nos ajudam a entender os padrões de distribuição da biodiversidade e os processos por trás disso. Revelam como as alterações que provocamos nos ambientes naturais afetam a biodiversidade que habita nesses locais e podem nos ajudar a tomar decisões mais acertadas para a conservação da biodiversidade como um todo.
Wagner. No momento a maior parte do meu tempo é dedicada ao meu projeto de mestrado, que é a revisão taxonômica de uma espécie de ave que vive em quase todo o leste da América do Sul, o arapaçu-grande (Dendrocolaptes platyrostris). Isso quer dizer que estou investigando se o que tratamos hoje como uma única espécie é mesmo só uma espécie ou se existem populações que merecem ser separadas em espécies à parte.
Em paralelo também participo de um projeto que pretende aprofundar mais nosso conhecimento sobre a avifauna das Florestas Deciduais da bacia do rio São Francisco, as chamadas “Matas Secas”. São florestas que perdem todas as folhas durante a estação seca e que tem uma fauna e uma flora muito peculiares e adaptadas a este ambiente de extremos. As Matas Secas têm uma identidade controversa, sendo consideradas por alguns como uma fitofisionomia da Mata Atlântica, por outros como sendo parte do Cerrado ou ainda como um componente da Caatinga.

Cara Dourada | Foto: Wagner Nogueira
Wagner. Acho que a gente precisa começar falando que o fogo não é um elemento natural nas florestas tropicais. Ao contrário do que acontece no Cerrado, onde a fauna e a flora apresentam adaptações para lidar com ele, a biodiversidade da Amazônia, da Mata Atlântica e outras formações florestais, sofre perdas irreversíveis com a passagem do fogo. E mesmo no Cerrado, a época de ocorrência, periodicidade e extensão das áreas afetadas é muito diferente do que se observaria com o regime de queimadas de origem natural.
É um problema afeta não somente as aves, mas a biodiversidade como um todo e inclusive tem reflexos direto na vida das pessoas, pois a perda de cobertura florestal nessas regiões tem impactos diretos no clima e no regime de chuvas.
Além disso, o fogo nas florestas geralmente é precedido pelo corte seletivo da madeira de alto valor comercial e na sequência vem a supressão vegetal completa para abrir lugar para monoculturas e pastagens. Dessa forma, o fogo não pode ser encarado como um elemento isolado, ele é parte de um processo de descaracterização completa dos ambientes.
Wagner. Acho que um ponto crucial seria frear a supressão dos ambientes naturais. Praticamente todas as espécies de aves brasileiras que se encontram extintas ou ameaçadas de extinção estão nessa situação por conta da perda de seus habitats. Fragmentos muito pequenos, descaracterizados e muito isolados podem até conseguir manter espécies sensíveis por algum tempo, mas nos médio e longo prazos elas acabam por se extinguir regionalmente. Se o panorama se repete ao longo de toda sua distribuição, o resultado pode ser a extinção completa.
A observação de aves pode ser uma ferramenta importante nesse processo, pois atua tanto fornecendo uma alternativa de geração de renda com a floresta de pé, quanto sensibilizando as pessoas para uma riqueza biológica que muitas vezes é desconhecida até mesmo pela população local.

Maria Preta do Nordeste | Foto: Fernanda Fernandes
Wagner. O Peruaçu ainda mantém populações numerosas de espécies raras e ameaçadas de extinção, especialmente as que são associadas às Matas Secas do rio São Francisco, como o arapaçu-do-nordeste, o arapaçu-wagler, o cara-dourada, o piolhinho-do-grotão e a maria-preta-do-nordeste. Além disso a região é o melhor local na atualidade para se observar o bacurau-do-são-francisco, uma espécie noturna que só existe na bacia do rio São Francisco. Lá também é possível encontrar espécies exclusivas da Caatinga, como o bico-virado-da-caatinga, o joão-chique-chique e o torom-do-nordeste.
E não dá pra deixar de citar os atrativos espeleológicos e arqueológicos do Peruaçu, que valeriam a viagem por si sós!
Wagner. Usem a tecnologia a seu favor. Atualmente, dá pra aprender muito na internet sobre basicamente tudo. Portais como o WikiAves, xeno-canto e Ebird proporcionam acesso a milhões de mídias que podem auxiliar no aprendizado sobre identificação, distribuição, ecologia e história natural das espécies. Artigos técnicos sobre os mais variados temos também podem ser acessados virtualmente e fornecer uma bagagem teórica a qualquer pessoa. Além disso, os pesquisadores brasileiros que trabalham com aves são, em geral, muito acessíveis e podem ser contatados até mesmo por suas redes sociais.
Para aqueles que tiverem oportunidade, visitar coleções e laboratórios de pesquisa também pode ser uma ótima oportunidade de conhecer sobre o que eles se desenvolvem e talvez se inserir em projetos de pesquisa e trabalhos de campo.
Por:
Maria Cecilia Wey de Brito (Relações Institucionais),
Iago Paniza Rangel (Gestor Ambiental)
Ana Cristina Moeri (Diretora Presidente) –
Instituto Ekos Brasil
Em 2017, após desenvolver por 15 anos várias atividades no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu (PNCP), criado em 1999, o Instituto Ekos Brasil participou de uma chamada pública e assinou um acordo de cooperação com o ICMBio, com duração de 5 anos. A partir de então, atuamos no parque com ações administrativas e logísticas executando o Programa de Uso Público da UC, previsto em seu Plano de Manejo, e também apoiamos atividades de gestão socioambiental, de acordo com um Plano de Trabalho definido Ekos Brasil e ICMBio.
A boa notícia é que em apenas 3 anos, o número de visitantes ao Parque mais que dobrou. Se em 2016 foram 3.996 visitantes/ano, em 2019 chegamos em 9.337 visitantes/ano. Uma vitória, certamente.
Porém, mesmo com esse crescimento, o modelo de concessão ainda não é viável economicamente. Uma realidade comum a maioria dos parques que não atingem um número considerável de visitantes.
Por isso, fomos em busca de novas oportunidades específicas para o futuro da sustentabilidade financeira do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu.
Com apoio da UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza), o Instituto Ekos Brasil desenvolveu, no final de 2018, a “Análise de oportunidades e proposta de modelos de negócios e parcerias para a sustentabilidade financeira do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu/MG”. O estudo embasou arranjos legais para o aproveitamento sustentável das potencialidades econômicas do Parque, com melhoria das atividades de uso público e da conservação da biodiversidade, gerando benefícios sociais e econômicos para o entorno e considerando também o período pós acordo de cooperação.
Junto a possíveis parceiros, desenhamos modelos de geração de receita para o Parque como serviços ao visitante, arrecadação/captura de valor por serviços, patrocínio e projetos de impacto. Houve estimativa dos aportes necessários e seu tempo de retorno, em razão dos cenários de crescimento da visitação pública, e os custos de manutenção do negócio proposto. Apesar dos volumes de investimentos serem relativamente baixos se comparados ao potencial de geração de receitas, sua somatória num único exercício fiscal (se todos os modelos começarem no mesmo momento) poderia inviabilizar a capitalização plena dos projetos.
Para que esses modelos funcionem, portanto, a manutenção e o crescimento do número de visitantes no Parque são essenciais. Isso não nos deixa dúvidas de que o fortalecimento e estruturação da cadeia do turismo local e regional são questões centrais no debate de modelos de negócios para Unidades de Conservação. E consolidar atrativos naturais e culturais em roteiros, transformando-os em produtos turísticos são pontos-chave nesse desenvolvimento.

Nesta lógica, o o Instituto Ekos Brasil, em parceria com o Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF, na sigla em inglês), está desenvolvendo o projeto “Acelerando o Turismo Sustentável no Vale do Peruaçu”.
Com ele, buscamos desenvolver e fortalecer o turismo sustentável na região do vale do Peruaçu (APA e PARNA Cavernas do Peruaçu), por meio da qualificação das capacidades técnicas e de gestão de organizações da comunidade local, como forma de promover emprego, renda, valorização dos atributos ambientais e conservação da biodiversidade. O projeto ainda está em andamento (com previsão de encerramneto para abril de 2021), mas ao final a comunidade local (representada pelos 50 participantes) terá executado cinco protótipos, visando beneficiar de forma transversal o maior número de atividades ligadas ao turismo local. Tais protótipos serão desenvolvidos a partir de um processo de inovação coletiva, isto é, pensado, estruturado e executado pelos atores locais, o que é essencial para sua continuidade.
Embora importantes, destacamos que iniciativas como esta, isoladamente, não solucionarão todos os gargalos de estruturação da cadeia de turismo da região. Por isso, no intuito de colaborar na construção de uma agenda regional de desenvolvimento, o CEPF também apoiou a elaboração do Plano de Desenvolvimento Territorial de Base Conservacionista (DTBC) do Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu, coordenado pela Funatura, do qual o PNCP faz parte. O plano objetiva promover o desenvolvimento regional integrado ao manejo das UC, abordando temas como extrativismo vegetal e turismo ecocultural.
Saiba mais sobre o CEPF
O CEPF é um programa conjunto da Agência Francesa para o Desenvolvimento, Conservação Internacional, União Europeia, Fundo para o Meio Ambiente Global (GEF, sigla em inglês), Governo do Japão e Banco Mundial, que financia projetos para proteção de ecossistemas únicos e ameaçados – conhecidos também como hotspots de biodiversidade. Em 2013, o Conselho de Doadores do CEPF selecionou o bioma Cerrado como um dos hotspots prioritários, e 8 milhões de dólares foram alocados para investimentos em projetos de conservação no período de 2016 a 2021.
O projeto “ACELERANDO O TURISMO SUSTENTÁVEL NO VALE DO PERUAÇU” é uma das diversas iniciativas do fundo na região.
Saiba mais sobre o projeto e entenda como contribuir.
Não é de hoje que ao tratarmos do Cerrado tratamos também do pujante agronegócio brasileiro que “ganhou” esse vasto território desde a revolução verde e dos trabalhos da Embrapa, que fizeram de seu solo o palco para os plantios “a perder de vista” de soja, algodão e outras commodities.
Quando olhamos os dados do Cerrado vemos emergirem 2 visões opostas: a que comemora os ganhos financeiros do uso de seu solo e da água que guarda em suas bacias, e a que lamenta a veloz perda de sua biodiversidade e serviços ambientais que nos presta. Enquanto a área de produção das commodities aumentou em 50% sobre o território original do cerrado entre 2000 e 2014, (ver estudo “Cerrado na mira do Agronegócio” da Universidade de Maryland/EUA, publicado em 2018), a riqueza de espécies e paisagens do Cerrado definharam, as emissões de gases de efeito estufa aumentaram (248 milhões de toneladas em 2016, de acordo com o Ecoa), e os corpos d’água são poluídos e assoreados.
Diferente da Amazônia, que chama a atenção do mundo por causa de suas riquezas ambientais e culturais, e das ameaças que sobre elas se abatem, o Cerrado continua pouco conhecido e pouco valorizado, apesar de ser a savana mais rica em espécies no planeta, ser o segundo maior bioma da América do Sul – com área original de mais de 2 milhões de hectares (22% do território nacional) e ser considerado um hotspot de biodiversidade, onde existe extrema abundância de espécies endêmicas e enorme ameaça de destruição. Dados do Ministério do Meio Ambiente apontam que 20% das espécies nativas e endêmicas do bioma já não ocorram em áreas protegidas e que pelo menos 137 espécies de animais que ocorrem no Cerrado estão ameaçadas de extinção, inclusive o Lobo Guará, personagem da nota de 200 reais.
Poetas como Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, mais conhecida como Cora Coralina e Antônio Lisboa Carvalho de Miranda, por exemplo, descreveram esse bioma de forma única, deixando transparecer sua sensibilidade e amor pelos lugares onde viveram, chamando a atenção para a unicidade de suas riquezas. Por motivos bem diversos, protagonistas mundiais podem ajudar a mudar a história de destruição do Cerrado, espera-se que a curto prazo. Estes protagonistas estão relacionados a duas agendas distintas, que se encontraram recentemente – à crise climática global e a pandemia da COVID-19.
No caso da crise climática, o 15o Fórum Econômico Mundial, encontro anual que ocorre na cidade Suíça de Davos, mostrou por meio de seu Relatório Global de Riscos, que os riscos associados às questões ambientais, como os eventos climáticos extremos, a perda da biodiversidade e outras ameaças à vida no planeta, estão à frente das preocupações dos representantes das grandes corporações mundiais, em comparação aos riscos representados por tensões geopolíticas e ataques cibernéticos, que antes eram considerados os riscos mais relevantes. Grandes investidores como a Black Rock apostam hoje no lucro advindo das boas práticas ambientais o chamado “capitalismo com propósito”. O CEO desta gestora de ativos, Larry Fink, afirmou em março de 2020 “Quando emergirmos dessa crise, e à medida que os gestores reequilibrem seus portfólios, teremos a oportunidade de acelerar a transição para um mundo mais sustentável”.
Do ponto de vista da COVID-19 e seus resultados para a economia mundial, a postura da União Europeia e de seus Estados-membros, por exemplo, exigirá a adoção de boas práticas, principalmente ambientais, pelos países que têm relações bilaterais e multilaterais. Neste sentido, esse bloco de países estruturou o Pacto Ecológico Europeu (o European Green Deal), e o Plano de Recuperação Econômica (o Recovery Fund). Estes instrumentos (a serem lançados em 2021 e 2022) trazem um conjunto de incentivos e obrigações com o objetivo de proteger os recursos naturais. Como explicam Baruzzi, Manhaes e Agostinho (em matéria do Jornal o Estado de S. Paulo em 3 de julho de 2020), o Pacto Ecológico tem ambições ambientais que vão além das fronteiras europeias e isso terá impactos diretos à economia brasileira, já que este bloco é o segundo maior parceiro comercial do Brasil. Neste sentido, o Brasil será pressionado para adotar medidas objetivas de reduzir a emissão de gases de efeito estufa sob pena de não acessar o mercado Europeu. Este é um risco direto ao setor agropecuário brasileiro, já que se constitui no maior emissor destes gases, do país. Neste caso, o propósito do Pacto é fortalecer os requisitos de sustentabilidade da cadeia de alimentos, que consistem, por exemplo, em assegurar que estas cadeias tenham impacto ambiental neutro ou positivo com relação aos recursos naturais (solo, água, ar, fauna, bem-estar animal).
O mundo está cada vez mais preocupado e atendo às ameaças derivadas da ação do homem sobre o meio ambiente como a crise climática, global, a extinção acelerada de espécies, as pandemias, a desigualdade. O Brasil precisa, rapidamente repensar as “formas de fazer” de sua base econômica mais importante do ponto de vista do comércio exterior – o agronegócio (além das commodities minerais).
O cerco está se fechando lá fora, ou o Brasil olha para o futuro, apontado por player globais do mercado financeiro e os consumidores mundiais, ou ficará para traz –perdendo ganhos para sua balança comercial e perdendo aquilo que tem de único e extremamente valioso, que é sua riqueza natural, como o bioma Cerrado.
Maria Cecilia Wey de Brito
Mestre em Ciências Ambientais
Engenheira Agrônoma
Relações Institucionais Instituto Ekos Brasil
11 de Setembro de 2020
Dia 5 de setembro é o Dia da Amazônia e todos os anos a nossa vontade é apenas de celebrar esse bioma evidenciando suas riquezas. Afinal, são mais de 4 milhões de quilômetros quadrados, cerca de 2.500 espécies de árvores, 30 mil espécies de plantas. A Amazônia é protetora da maior bacia hidrográfica do mundo, com o majestoso Rio Amazonas, capaz de desaguar cerca de 175 milhões de litros d’água a cada segundo no Oceano Atlântico, de acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente.
A Amazônia é um bioma de extrema importância para o equilíbrio do meio ambiente e do clima no nosso planeta.
Mas, também é de conhecimento público o inegável risco que a nossa Amazônia se encontra. De acordo com dados do Imazon, apenas no último ano (julho de 2019 a julho de 2020), o desmatamento na Amazônia Legal foi de 6.536 quilômetros quadrados, um aumento de 29% em relação ao período anterior. No mês de julho deste ano, cerca de 59% do desmatamento na Amazônia ocorreu em áreas privadas e a área de floresta degradada apresentou um aumento de 110% em relação a julho de 2019.
Em meio a esse cenário paradoxal, nos perguntamos: como celebrar, então, essa data tão significativa?
Trabalhamos já há alguns anos com projetos no bioma da Amazônia e acreditamos que estas são iniciativas que aliam conservação ao desenvolvimento sustentável , e que se utilizam de ferramentas mais eficientes para manter a floresta em pé e todos os seus inestimáveis recursos em equilíbrio.
Por isso, a seguir, compartilhamos com vocês 5 projetos desenvolvidos no bioma da Amazônia com o intuito de propor uma agenda positiva neste dia e inspirar novas iniciativas que respeitem essa nossa riqueza.

Foto: Araquém Alcântara | Todos os direitos reservados.
Quando chegamos à Rondônia, no ano de 2017, encontramos um contexto social e econômico muito semelhante nas duas Reservas Extrativistas do Rio Cautário, a estadual e a federal: ambas habitadas por comunidades de seringueiros-extrativistas que viviam um momento de transição da exploração do látex para outras atividades. Já há alguns anos, o preço do látex vinha caindo, levando os extrativistas a desenvolver especialmente a coleta de castanha.
Com o intuito de auxiliar o desenvolvimento sustentável da região e das 63 famílias do território e evitar que optassem por atividades degradadoras tórias, desenvolvemos um projeto de Inventário Florestal e Diagnóstico da Cadeia Produtiva de Castanha e Látex na região. O projeto incluiu o levantamento do potencial florestal (madeireiro e não-madeireiro), a realização de um diagnóstico produtivo da castanha e da seringa, o estudo das formas de organização social daquela comunidade e levantou também oportunidades de negócio.
Na primeira etapa, selecionamos 4 espécies nativas para um estudo mais aprofundado: castanha-do-brasil, a seringa, a copaíba e o açaí. E complementamos com um estudo de mercado com uma lista de contatos de potenciais parceiros comerciais e técnicos, além de uma análise da situação da cadeia produtiva local. Parte deste trabalho também envolveu o estudo sobre mecanismos de Pagamentos por Serviços Ambientais que poderiam ser acessados pela Reserva.
O projeto teve um impacto importante sobre a comunidade, que continuou e ampliou o uso sustentável dos recursos da biodiversidade com a manutenção da floresta em pé, e também reforçou para a sociedade a necessidade de investimentos e melhoria de processos e abertura de mercados na região da Reserva Extrativista. Em 2020, por iniciativa do governo do estado de Rondônia, a Reserva extrativista estadual assinou contrato com uma empresa especializada em comércio de Carbono, para que este ativo proveniente da manutenção da floresta em pé possa gerar recursos para as comunidades, incentivando-as ainda mais a manter a floresta em pé.
Outro projeto importante no bioma Amazônia aconteceu em 2014 quando elaboramos o Plano de Manejo nas Florestas Nacionais que abrangem os municípios de Itaituba e Trairão, no Pará, às margens da BR-163.
As Florestas Nacionais são uma das categorias de manejo presente na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Estas áreas protegidas permitem o manejo florestal, sendo no entanto, necessário que as mesmas possuam plano de manejo para posteriormente serem colocadas no processo de concessão florestal para empresas interessadas e comunidades que são moradoras do seu interior e/ou do seu entorno.
O Plano de Manejo possibilitou que as comunidades dessas cidades participassem de uma experiência pioneira de manejo sustentável em Unidades de Conservação, capaz de gerar renda e desenvolvimento para a região também mantendo a floresta em pé.
Em Uatumã, no Amazonas, o Programa Ecomudança levou a implantação de Sistemas Agroflorestais (SAFs) em áreas degradadas da Reserva de Desenvolvimento Sustentável. Os SAFs são consórcios de culturas de espécies arbóreas e agrícolas, que podem ser usadas para reflorestamento, recuperação e uso sustentável de áreas degradadas. Essa prática mantém a fertilidade do solo e permite a geração de renda, aliada à conservação da biodiversidade.
O projeto plantou 1.100 mudas de espécies florestais e agrícolas produtivas, adaptadas à condição amazônica e implantou 1 hectare de SAF em uma área de pasto abandonado. Agora, além de gerar desenvolvimento sustentável para as famílias com a produção de frutos, a conservação das áreas também gera créditos de carbono para compensar a emissão de gases de efeito estufa de parceiros interessados. Esta iniciativa faz parte do Programa Carbono Neutro do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas – IDESAM
Outro projeto de SAF do programa Ecomudança foi realizado na Cooperativa Agroextrativista do Mapiá e Médio Purus, em 2014, também no Amazonas. A própria comunidade coletou sementes da floresta e produziu mais de 20 mil mudas em dois viveiros construídos por eles. As mudas foram utilizadas para a implantação de 16 hectares em SAFs nas áreas de capoeiras ao redor da comunidade. A principal espécie produzida foi o Cacau nativo, que além de produtivo e saboroso, é bastante procurado por importadoras para a produção de chocolate.
É por meio dessas iniciativas que mostramos para o Brasil que é possível alinhar a conservação da floresta com o desenvolvimento das comunidades e, também por meio delas que construímos nossa esperança de um futuro onde poderemos celebrar o dia da Amazônia.
Em seu quarto episódio, o projeto BioDiversos apresenta Nurit Bensusan, bióloga e engenheira florestal pela UnB , pós-graduada em história, sociologia e filosofia da ciência pela na Universidade Hebraica de Jerusalém e consultora do Instituto Socioambinetal. Por meio de livros e jogos educativos, Bensusan aproxima a biodiversidade especialmente do universo infantil.
O Instituto Ekos Brasil lançou, em maio deste ano, o projeto BioDiversos. Em uma série de depoimentos, divulgados mensalmente, profissionais renomados de diversas áreas de atuação explicam como se inspiram na biodiversidade e a utilizam para desenvolver seus trabalhos. O projeto já contou com depoimentos do arquiteto e designer Carlos Motta, do “cozinheiro” (como ele mesmo se intitula) e fundador do Instituto Atá, Alex Atala, e também da bióloga e especialista no estudo de doenças silvestres, Marcia Chame, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz.
Em sua quarta produção, o BioDiversos convidou Nurit Bensusan, autora de diversos livros, dentre eles: “Biodiversidade: é pra comer, vestir ou passar no cabelo?” e “Seria melhor mandar ladrilhar? Biodiversidade: Como, para que e por quê”, além de jogos educativos. Bensusan acredita no potencial das crianças para um futuro no qual a biodiversidade seja conhecida, apreciada e respeitada.
“O caminho que eu acredito muito é o da divulgação científica, o da popularização da ciência. Mostrar para as pessoas o que elas têm a ver com a biodiversidade. As crianças são uma esperança, são a máquina que faz o futuro (…) são elas que têm grande empatia com a conservação da natureza e podem ser as pessoas do futuro para fazer o mundo diferente”, explica no vídeo.
De acordo com Ciça Wey de Brito, coordenadora de relações institucionais do Instituto Ekos Brasil e idealizadora do projeto, é imperativo que a sociedade tome consciência sobre o constante e intenso empobrecimento da natureza, que pode ser revertido se mudarmos nossas atitudes, como por exemplo, ao diminuirmos nosso consumo e com isso deixando de pressionar os ambientes naturais r s biodiversidade. “Por isso, trouxemos neste projeto abordagens que aproximam a biodiversidade ao cotidiano das pessoas”, comentou.
Todos os vídeos do projeto e mais informações podem ser acessadas em https://www.ekosbrasil.org//biodiversos/ e também estão disponíveis nas redes sociais do Instituto Ekos Brasil.
Justificando o equilíbrio das contas públicas, o Governo do Estado de São Paulo surpreendeu a população paulista com a preocupante notícia de que extinguiria a Fundação para a Conservação e a Produção Florestal do Estado de São Paulo, conhecida como Fundação Florestal, no próximo ano. Frente às manifestações de Organizações e da Sociedade Civil, aparentemente o governo voltou atrás na sua decisão e irá manter a Fundação Florestal.
É de conhecimento público o valor inestimável dos serviços ambientais prestados por esses territórios conservados, especialmente para a manutenção da vida humana. É economicamente mais proveitoso, sustentável e inteligente proteger e conservar nossas florestas, uma missão importante e que a Fundação cumpre com zelo nessas mais de três décadas. É por esse caminho que mundo vem traçando novas rotas e um estado importante como São Paulo não deve caminhar na direção contrária.
A Fundação Florestal é parceria do Instituto Ekos Brasil e, juntos já desenvolvemos inúmeros projetos que reforçam a importância de sua atuação. Por isso, defendemos a continuidade dos trabalhos da Fundação Florestal e manifestamos nosso apoio à decisão de se manter a instituição ativa.
Depois de 10 anos parada na Câmara dos Deputados, a ratificação da assinatura brasileira ao Protocolo de Nagoya, complemento da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) foi finalmente aprovada no último dia 8 de julho. Agora, segue ao Senado e, se novamente aprovada, será encaminhada para aprovação ou não da Presidência da República.
O documento trata do uso de recursos genéticos e da repartição dos benefícios decorrentes deste uso. Em inglês, recebe em sua denominação a sigla ABS, referente a Access and Benefit-Sharing, ou seja, ao acesso e compartilhamento do conhecimento associado ao uso dos recursos genéticos. O objetivo das regras definidas no Protocolo de Nagoya é garantir segurança jurídica aos países envolvidos no uso e na repartição destes recursos, assim como possibilitar o desenvolvimento de um espaço mais amigável para relações comerciais entre empresas e países que desenvolvam e/ou vendam produtos derivados de determinados patrimônios biológicos.
Cerca de uma centena de países assinou o Protocolo de Nagoya em 2010, no Japão, como um complemento da Convenção de Diversidade Biológica da Organização das Nações Unidas (ONU). Sem a aprovação da participação do Brasil pelos poderes legislativo e executivo, a assinatura brasileira no documento junto à CDB praticamente não tem validade. Afinal, a não-ratificação impede que o país tenha voz ativa em qualquer tomada de decisões relacionada ao assunto, no contexto das reuniões da Organização das Nações Unidas (ONU). Assim, o Brasil fica impossibilitado, inclusive, de participar de deliberações relacionadas aos próprios recursos genéticos, mesmo sendo uma das nações com maior diversidade biológica do planeta, detentora de 20% do total de espécies de fauna e flora já conhecidas. E fica fora do radar de negociações de seu próprio interesse junto a outros países.
Foi a necessidade de provar aos investidores estrangeiros o real interesse do país por uma economia sustentável e pelo tratamento adequado das questões ambientais como um todo, que a Câmara dos Deputados ratificou o engajamento brasileiro ao Protocolo de Nagoya. Os votos em prol da ratificação foram consequência de uma articulação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ), que resultou em um acordo entre as bancadas ambientalista e ruralista.
Ratificar a participação brasileira no Protocolo de Nagoya, mesmo que depois de uma década, deve acalmar o mercado (no Brasil e no exterior) e promover maior valorização da biodiversidade nacional como um todo, além de trazer benefícios tangíveis aos povos e comunidades tradicionais, que detém os conhecimentos do uso desta biodiversidade. Porém esses benefícios apenas ocorrerão se o envolvimento do país for bem planejado e administrado. Além de incentivar a conservação e o uso sustentável dos recursos genéticos, as condições estabelecidas no documento têm relação com a remuneração (monetização) adequada dos envolvidos e, portanto, com o crescimento da chamada bioeconomia.
Apesar de benéfica, a decisão da Câmara dos Deputados chega em um período turbulento e em meio a um cenário caótico para os principais envolvidos na questão do uso e repartição dos “ativos” genéticos brasileiros: os povos indígenas. Responsáveis, durante centenas de anos, por conservar estes ativos, os indígenas agora também lutam para recuperar muitos de seus direitos fundamentais, impedir a disseminação do novo coronavírus em suas aldeias e cessar as invasões cada vez mais frequentes de grileiros, madeireiros e garimpeiros às suas terras. Por estas e outras razões, o estabelecimento de um diálogo entre todos os envolvidos no uso e na repartição dos resultados do uso dos conhecimentos associados aos recursos genéticos é fundamental. Somente assim, o documento terá validade por aqui.

A pandemia provocada por um singelo vírus e o caos econômico subsequente nos obrigam a olhar para trás e reconhecer que quase todas as pandemias recentes se originam em animais, são zoonóticas.
Maria Cecilia Wey de Brito*
O caos global instalado por um singelo vírus nos obriga a olhar para trás e reconhecer que quase todas as pandemias recentes se originam em animais. Embora a contaminação esteja diretamente ligada às atividades humanas, o fato é que mais de 60% das novas doenças infecciosas (e quase todas as pandemias recentes) provêm de animais. A maioria vem da vida selvagem (71,8%), incluindo Ebola, síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS), síndrome respiratória aguda súbita (SARS) e HIV.
A ligação entre a atividade humana e as doenças zoonóticas é complexa e depende do contexto. Por isso doenças zoonóticas, afetadas por muitos fatores ecológicos e evolutivos, são difíceis de serem previstas. No entanto, os cientistas concordam que as mudanças no uso da terra induzidas pelo homem e a caça/comércio de animais selvagens são fatores-chave. O contato humano com animais selvagens durante caça, comércio, abate e consumo está diretamente relacionado ao surgimento do HIV/AIDS (chimpanzés), por exemplo.
Uma recente revisão da literatura até os anos de 1940 constatou que fatores relacionados à agricultura estavam associados a mais de 25% de todas as doenças infecciosas – e mais de 50% das zoonóticas – que surgiram nos seres humanos. Esses percentuais provavelmente aumentarão à medida que a agricultura se expandir e se intensificar. O desmatamento, por exemplo, modifica a estrutura dos habitats e diminui a área disponível para a vida selvagem, aumentando a interação entre humanos e a vida selvagem. Também pode fragmentar habitats em áreas menores de terras agrícolas ou assentamentos humanos (“efeito de borda”) que podem promover ainda mais interação com patógenos, vetores e hospedeiros de animais. Esses fatores combinados contribuíram para o surgimento de zoonoses, como as doenças de Lyme e a malária.
O desmatamento de florestas para lavouras e gado (incluindo, mas não se limitando a, produção industrializada) e ações da indústria extrativa (mineração e exploração madeireira) podem impactar negativamente o meio ambiente, criando uma cascata de fatores que facilitam o surgimento e a propagação de doenças. Por exemplo, mudanças nas práticas agrícolas contribuíram para o surgimento do vírus Nipah (de morcegos frugívoros para porcos) e MERS-CoV (originalmente encontrado em camelos). Nos sistemas industrializados de produção pecuária, numerosos animais são mantidos em pequenos espaços, facilitando a propagação de doenças, incluindo as gripes aviária e suína.
Esses dados elevam a preocupação com o desmatamento da Amazônia que, em 2019, teve um recorde e, nos meses recentes, mantém a trajetória ascendente. Nos primeiros três meses de 2020, a Floresta Amazônica perdeu cerca de 795 km2 de cobertura vegetal, uma área correspondente à cidade de Nova York. Esse número é 50% mais alto que o registrado no mesmo período do ano passado. Os dados são do sistema DETER de monitoramento do desmatamento da Amazônia, operado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) do governo federal brasileiro. Só em março passado, o sistema DETER emitiu alertas de desmatamento de mais de 300 km2, 30% a mais do que o registrado no mesmo mês em 2019.
De 1º de agosto do ano passado até 11 de junho deste ano, foram feitos alertas para a derrubada de 6.870 km² de floresta. Entre 1º de agosto de 2018 a 31 de julho de 2019, foram 6.844 km². Os registros do mês de junho deverão estão disponíveis somente em 10 de julho, conforme relata Giovana Girardi no Estadão.
Até agora essa destruição não liberou nenhum vírus ou bactéria que afete a saúde humana, mas é inevitável concluir que estamos brincando de roleta russa: cada quilômetro quadrado a mais pode nos colocar em contato com um patógeno desconhecido e eventualmente mortífero.
Embora o vínculo entre biodiversidade e doenças seja variável e dependente do sistema de doenças ou ecologia local, os cientistas concordam que preservar ecossistemas intactos e sua biodiversidade geralmente reduz a prevalência de doenças infecciosas oriundas de animais.
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* Maria Cecilia Wey de Brito, mestre em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo e Engenheira Agrônoma pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz (ESALQ/USP), foi Secretária Geral (CEO) do WWF-Brasil por 4 anos. No Governo Federal, trabalhou no Ministério do Meio Ambiente como Secretária Nacional de Biodiversidade e Florestas. No Governo do Estado de São Paulo foi Diretora Geral do Instituto Florestal e Diretora Executiva da Fundação Florestal. Desde 2016 está no Ekos Brasil como responsável por relações institucionais e coordenação de projetos.
Texto publicado originalmente no ClimaInfo, em 19 de junho de 2020.
