O cerco está se fechando lá fora. Será que há tempo para garantir o Cerrado aqui dentro?
Não é de hoje que ao tratarmos do Cerrado tratamos também do pujante agronegócio brasileiro que “ganhou” esse vasto território desde a revolução verde e dos trabalhos da Embrapa, que fizeram de seu solo o palco para os plantios “a perder de vista” de soja, algodão e outras commodities.
Quando olhamos os dados do Cerrado vemos emergirem 2 visões opostas: a que comemora os ganhos financeiros do uso de seu solo e da água que guarda em suas bacias, e a que lamenta a veloz perda de sua biodiversidade e serviços ambientais que nos presta. Enquanto a área de produção das commodities aumentou em 50% sobre o território original do cerrado entre 2000 e 2014, (ver estudo “Cerrado na mira do Agronegócio” da Universidade de Maryland/EUA, publicado em 2018), a riqueza de espécies e paisagens do Cerrado definharam, as emissões de gases de efeito estufa aumentaram (248 milhões de toneladas em 2016, de acordo com o Ecoa), e os corpos d’água são poluídos e assoreados.
Diferente da Amazônia, que chama a atenção do mundo por causa de suas riquezas ambientais e culturais, e das ameaças que sobre elas se abatem, o Cerrado continua pouco conhecido e pouco valorizado, apesar de ser a savana mais rica em espécies no planeta, ser o segundo maior bioma da América do Sul – com área original de mais de 2 milhões de hectares (22% do território nacional) e ser considerado um hotspot de biodiversidade, onde existe extrema abundância de espécies endêmicas e enorme ameaça de destruição. Dados do Ministério do Meio Ambiente apontam que 20% das espécies nativas e endêmicas do bioma já não ocorram em áreas protegidas e que pelo menos 137 espécies de animais que ocorrem no Cerrado estão ameaçadas de extinção, inclusive o Lobo Guará, personagem da nota de 200 reais.
Poetas como Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, mais conhecida como Cora Coralina e Antônio Lisboa Carvalho de Miranda, por exemplo, descreveram esse bioma de forma única, deixando transparecer sua sensibilidade e amor pelos lugares onde viveram, chamando a atenção para a unicidade de suas riquezas. Por motivos bem diversos, protagonistas mundiais podem ajudar a mudar a história de destruição do Cerrado, espera-se que a curto prazo. Estes protagonistas estão relacionados a duas agendas distintas, que se encontraram recentemente – à crise climática global e a pandemia da COVID-19.
No caso da crise climática, o 15o Fórum Econômico Mundial, encontro anual que ocorre na cidade Suíça de Davos, mostrou por meio de seu Relatório Global de Riscos, que os riscos associados às questões ambientais, como os eventos climáticos extremos, a perda da biodiversidade e outras ameaças à vida no planeta, estão à frente das preocupações dos representantes das grandes corporações mundiais, em comparação aos riscos representados por tensões geopolíticas e ataques cibernéticos, que antes eram considerados os riscos mais relevantes. Grandes investidores como a Black Rock apostam hoje no lucro advindo das boas práticas ambientais o chamado “capitalismo com propósito”. O CEO desta gestora de ativos, Larry Fink, afirmou em março de 2020 “Quando emergirmos dessa crise, e à medida que os gestores reequilibrem seus portfólios, teremos a oportunidade de acelerar a transição para um mundo mais sustentável”.
Do ponto de vista da COVID-19 e seus resultados para a economia mundial, a postura da União Europeia e de seus Estados-membros, por exemplo, exigirá a adoção de boas práticas, principalmente ambientais, pelos países que têm relações bilaterais e multilaterais. Neste sentido, esse bloco de países estruturou o Pacto Ecológico Europeu (o European Green Deal), e o Plano de Recuperação Econômica (o Recovery Fund). Estes instrumentos (a serem lançados em 2021 e 2022) trazem um conjunto de incentivos e obrigações com o objetivo de proteger os recursos naturais. Como explicam Baruzzi, Manhaes e Agostinho (em matéria do Jornal o Estado de S. Paulo em 3 de julho de 2020), o Pacto Ecológico tem ambições ambientais que vão além das fronteiras europeias e isso terá impactos diretos à economia brasileira, já que este bloco é o segundo maior parceiro comercial do Brasil. Neste sentido, o Brasil será pressionado para adotar medidas objetivas de reduzir a emissão de gases de efeito estufa sob pena de não acessar o mercado Europeu. Este é um risco direto ao setor agropecuário brasileiro, já que se constitui no maior emissor destes gases, do país. Neste caso, o propósito do Pacto é fortalecer os requisitos de sustentabilidade da cadeia de alimentos, que consistem, por exemplo, em assegurar que estas cadeias tenham impacto ambiental neutro ou positivo com relação aos recursos naturais (solo, água, ar, fauna, bem-estar animal).
O mundo está cada vez mais preocupado e atendo às ameaças derivadas da ação do homem sobre o meio ambiente como a crise climática, global, a extinção acelerada de espécies, as pandemias, a desigualdade. O Brasil precisa, rapidamente repensar as “formas de fazer” de sua base econômica mais importante do ponto de vista do comércio exterior – o agronegócio (além das commodities minerais).
O cerco está se fechando lá fora, ou o Brasil olha para o futuro, apontado por player globais do mercado financeiro e os consumidores mundiais, ou ficará para traz –perdendo ganhos para sua balança comercial e perdendo aquilo que tem de único e extremamente valioso, que é sua riqueza natural, como o bioma Cerrado.
Maria Cecilia Wey de Brito
Mestre em Ciências Ambientais
Engenheira Agrônoma
Relações Institucionais Instituto Ekos Brasil
11 de Setembro de 2020