“Peruaçu ainda mantém populações numerosas de espécies (de aves) raras e ameaçadas de extinção”.
Entrevistamos o ornitólogo Wagner Nogueira para conhecer a profissão, seus desafios e sua experiência no estudo das aves do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu. Confira na íntegra.
EKOS: Conte para nós como surgiu sua paixão pelas aves e como você se tornou ornitólogo.
Wagner. Acho que nasci biólogo. Desde que me entendo por gente era fascinado por qualquer tipo de bicho e por natureza em geral. Gostava mais de documentários da BBC do que qualquer desenho. O interesse pelas aves especificamente começou de forma não muito saudável, com as espécies criadas em cativeiro. A motivação era tê-las por perto, entende-las, mas isso me levou a cria-las em cativeiro durante boa parte da infância. Mas foi só no fim da graduação que eu entendi que dava pra usar as aves para entender e mudar o mundo ao meu redor. Isso aconteceu quando, por influência de um amigo, comecei a estagiar no laboratório de Ornitologia do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas. Nosso projeto consistia no monitoramento da avifauna do Instituto Inhotim. Em paralelo me envolvi com um grupo de observadores de aves em Belo Horizonte e participei da fundação da ONG ECOAVIS.
EKOS: Poderia nos dizer a importância do trabalho do ornitólogo?
Wagner. As áreas de atuação do ornitólogo são quase tão variadas quanto as áreas de conhecimento da biologia. Num gradiente que vai desde inventários e monitoramentos de aves até neurociência e cognição, passando por fisiologia, anatomia e uma infinidade de outros temas. Isso porque ser ornitólogo, por definição, é ter aves como objeto de estudo. Mais comumente o termo é utilizado para se referir aos ornitólogos de campo, que vão estudar as aves na natureza e acabam se especializando em sua identificação, distribuição, ecologia e história natural. Mesmo considerando essa definição mais restrita e frequente de ornitólogo, o trabalho desses profissionais tem implicações que vão muito além da ornitologia. Nos ajudam a entender os padrões de distribuição da biodiversidade e os processos por trás disso. Revelam como as alterações que provocamos nos ambientes naturais afetam a biodiversidade que habita nesses locais e podem nos ajudar a tomar decisões mais acertadas para a conservação da biodiversidade como um todo.
EKOS: Quais pesquisas você está realizando no momento?
Wagner. No momento a maior parte do meu tempo é dedicada ao meu projeto de mestrado, que é a revisão taxonômica de uma espécie de ave que vive em quase todo o leste da América do Sul, o arapaçu-grande (Dendrocolaptes platyrostris). Isso quer dizer que estou investigando se o que tratamos hoje como uma única espécie é mesmo só uma espécie ou se existem populações que merecem ser separadas em espécies à parte.
Em paralelo também participo de um projeto que pretende aprofundar mais nosso conhecimento sobre a avifauna das Florestas Deciduais da bacia do rio São Francisco, as chamadas “Matas Secas”. São florestas que perdem todas as folhas durante a estação seca e que tem uma fauna e uma flora muito peculiares e adaptadas a este ambiente de extremos. As Matas Secas têm uma identidade controversa, sendo consideradas por alguns como uma fitofisionomia da Mata Atlântica, por outros como sendo parte do Cerrado ou ainda como um componente da Caatinga.
Cara Dourada | Foto: Wagner Nogueira
EKOS: Como você avalia a situação das aves em relação às queimadas atuais na Amazônia, no cerrado e no pantanal?
Wagner. Acho que a gente precisa começar falando que o fogo não é um elemento natural nas florestas tropicais. Ao contrário do que acontece no Cerrado, onde a fauna e a flora apresentam adaptações para lidar com ele, a biodiversidade da Amazônia, da Mata Atlântica e outras formações florestais, sofre perdas irreversíveis com a passagem do fogo. E mesmo no Cerrado, a época de ocorrência, periodicidade e extensão das áreas afetadas é muito diferente do que se observaria com o regime de queimadas de origem natural.
É um problema afeta não somente as aves, mas a biodiversidade como um todo e inclusive tem reflexos direto na vida das pessoas, pois a perda de cobertura florestal nessas regiões tem impactos diretos no clima e no regime de chuvas.
Além disso, o fogo nas florestas geralmente é precedido pelo corte seletivo da madeira de alto valor comercial e na sequência vem a supressão vegetal completa para abrir lugar para monoculturas e pastagens. Dessa forma, o fogo não pode ser encarado como um elemento isolado, ele é parte de um processo de descaracterização completa dos ambientes.
EKOS: Que ações poderíamos adotar para proteger e melhorar as condições de conservação das aves no Brasil? Você acredita na prática de birdwatching como uma atividade aliada à conservação das espécies?
Wagner. Acho que um ponto crucial seria frear a supressão dos ambientes naturais. Praticamente todas as espécies de aves brasileiras que se encontram extintas ou ameaçadas de extinção estão nessa situação por conta da perda de seus habitats. Fragmentos muito pequenos, descaracterizados e muito isolados podem até conseguir manter espécies sensíveis por algum tempo, mas nos médio e longo prazos elas acabam por se extinguir regionalmente. Se o panorama se repete ao longo de toda sua distribuição, o resultado pode ser a extinção completa.
A observação de aves pode ser uma ferramenta importante nesse processo, pois atua tanto fornecendo uma alternativa de geração de renda com a floresta de pé, quanto sensibilizando as pessoas para uma riqueza biológica que muitas vezes é desconhecida até mesmo pela população local.
Maria Preta do Nordeste | Foto: Fernanda Fernandes
EKOS: Nos conte um pouco sobre birdwatching no Peruaçu, quais espécies podem ser observadas por lá e suas especificidades, curiosidades.
Wagner. O Peruaçu ainda mantém populações numerosas de espécies raras e ameaçadas de extinção, especialmente as que são associadas às Matas Secas do rio São Francisco, como o arapaçu-do-nordeste, o arapaçu-wagler, o cara-dourada, o piolhinho-do-grotão e a maria-preta-do-nordeste. Além disso a região é o melhor local na atualidade para se observar o bacurau-do-são-francisco, uma espécie noturna que só existe na bacia do rio São Francisco. Lá também é possível encontrar espécies exclusivas da Caatinga, como o bico-virado-da-caatinga, o joão-chique-chique e o torom-do-nordeste.
E não dá pra deixar de citar os atrativos espeleológicos e arqueológicos do Peruaçu, que valeriam a viagem por si sós!
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Que mensagem você daria aos jovens estudantes de biologia ou áreas afins que pretendem seguir carreira no estudo de aves?
Wagner. Usem a tecnologia a seu favor. Atualmente, dá pra aprender muito na internet sobre basicamente tudo. Portais como o WikiAves, xeno-canto e Ebird proporcionam acesso a milhões de mídias que podem auxiliar no aprendizado sobre identificação, distribuição, ecologia e história natural das espécies. Artigos técnicos sobre os mais variados temos também podem ser acessados virtualmente e fornecer uma bagagem teórica a qualquer pessoa. Além disso, os pesquisadores brasileiros que trabalham com aves são, em geral, muito acessíveis e podem ser contatados até mesmo por suas redes sociais.
Para aqueles que tiverem oportunidade, visitar coleções e laboratórios de pesquisa também pode ser uma ótima oportunidade de conhecer sobre o que eles se desenvolvem e talvez se inserir em projetos de pesquisa e trabalhos de campo.