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O rompimento da Barragem de Fundão, em novembro de 2015, em Mariana, Minas Gerais, ocasionou inúmeros impactos ambientais e socioambientais nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo ao longo de toda a Bacia do Rio Doce até a foz, afetando diretamente as atividades pesqueiras na região.
Em 2016, poucos meses após o rompimento, o Ministério Público de Minas Gerais proibiu totalmente a pesca na Bacia do Rio Doce dentro dos limites do estado por meio da Portaria nº78/2016 do Instituto Estadual de Florestas (IEF). Esta portaria foi revogada no ano seguinte, e substituída pela Portaria nº 40/2017 também do IEF, que liberou parcialmente a pesca comercial e amadora exclusivamente para espécies exóticas, híbridas e autóctones (espécie natural de um determinado ecossistema ou região).
Já no estado do Espírito Santo, a pesca de qualquer natureza está proibida desde 2016, incluindo a área marinha até a isóbata de 20 (vinte) metros de profundidade, entre Degredo (Linhares/ES) e Barra do Riacho (Aracruz), através ação civil pública incitada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA), além da Resolução nº 989/2016 da ANVISA que proíbe o armazenamento, a distribuição e a comercialização de pescado oriundo da atividade pesqueira desenvolvida nessa área marinha.
É nesse contexto que o projeto “Painel de Especialistas: Análise integrada da condição ambiental e do ordenamento pesqueiro no Rio Doce e áreas marinhas adjacentes” vem sendo executado pelo Instituto Ekos Brasil com o apoio do Programa de Retomada das Atividades Aquícolas e Pesqueiras (PG16) da Fundação Renova. Tal projeto tem como objetivo elaborar cenários e fazer recomendações que possam contribuir para tomada de decisão a respeito da recuperação ambiental e do ordenamento das atividades pesqueiras no Rio Doce e áreas marinhas adjacentes.
O Painel conta com uma equipe interdisciplinar de 9 especialistas e 7 pesquisadores renomados de diferentes áreas do conhecimento, dentre elas: avaliação de risco à saúde humana, análise de dados, aquicultura, biologia pesqueira, direito, ecotoxicologia, hidrogeoquímica, ictiofauna e limnologia. Juntos, trabalham na análise de dados brutos secundários de diversos monitoramentos e estudos realizados sobre a temática ao longo da Bacia do Rio Doce. Em junho deste ano, a equipe realizou o Workshop Interno de Análises Preliminares para a equipe técnica da Fundação Renova e suas mantenedoras em Belo Horizonte/MG.
São muitos os desafios enfrentados pelo Painel como grande volume de dados analisados de uma extensa área de estudo impactada e a integração das análises das diferentes áreas de conhecimento.
Além disso, a multidisciplinaridade é tida como uma fortaleza, mas também como um grande desafio do projeto, já que integrar as diferentes áreas do conhecimento com um objetivo comum é uma tarefa bastante inovadora e sem precedentes para o tema das atividades pesqueiras.
Soma-se ainda a este cenário as questões sensíveis da condição social e ambiental do Rio Doce no contexto do rompimento da Barragem de Fundão, amplificando a relevância deste projeto e a expectativa em relação aos resultados.
O projeto que teve seu início em outubro de 2022 se encontra em sua fase final, com previsão de fechamento e entrega do relatório em dezembro de 2023, e apresentação dos resultados para o público de interesse (órgãos ambientais, câmaras técnicas e população) até março de 2024.
Ekos Brasil participa de Oficina de Avaliação de impactos do rompimento da Barragem de Fundão.
Ao lado da Embaixada Suíça no Brasil, nossa equipe no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu realizou uma troca de conhecimento sobre plantas medicinais na Terra Indígena Xakriabá, conduzida pelo Pajé Vicente e com a participação de indígenas e moradores da comunidade da APA no entorno do Parque. A iniciativa aconteceu no último dia 14 de agosto.
Além da troca de conhecimento sobre as espécies e seus usos, a equipe pôde coletar plantas medicinais da região e visitar a casa de medicina da Aldeia Sumaré.
“Assim, concluímos mais uma etapa deste importante projeto que visa conservar as plantas medicinais da região e valorizar, assim como compartilhar, esse rico conhecimento tradicional das populações no entorno do Parque.”
Palavras da nossa equipe no Peruaçu: Antonio Carlos Ribeiro –
Agente ambiental e Viverista no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, JÉSSICA FERNANDES –
COORDENADORA DE PROJETOS DE IMPACTO E GESTÃO CLIMÁTICA e Murilo Mendes – Agente Ambiental e Administrativo no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu.
Lucas Milani Rodrigues[1]; Maria Cecília Wey de Brito[2]
O Brasil é um país rico em biodiversidade e cultura e, para a proteção e manutenção deste nosso patrimônio, possuímos um arcabouço legal que rege nossas áreas protegidas. Pereira e Scardua (2008) conceituaram área protegida como sendo mais abrangente do que Unidades de Conservação (UCs), visto que engloba não somente as tipologias previstas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), como também espaços delimitados para a conservação da vegetação nativa em propriedades privadas (Áreas de Proteção Permanente e Reservas Legal), a manutenção de culturas, como territórios tradicionais de povos originários, quilombolas entre outras comunidades tradicionais. Especificamente em nosso texto falaremos dos desafios das parcerias em Unidades de Conservação, no entanto é importante destacar que a diversidade cultural presente em áreas protegidas do Brasil vai além do que é previsto pelo SNUC.
Sobre as parcerias para uso público em UCs, Eagles, McCool e Haynes (2003) ponderaram que se trata de um acordo entre o poder público e o privado para melhorar a execução de um serviço de apoio à visitação. Entende-se como privado não somente as empresas, mas também organizações da sociedade civil ou até mesmo pessoas físicas para construir esses acordos.
Em nosso país possuímos um menu de parcerias possíveis voltadas ao uso público. Moro (2022), em seu relatório sobre os instrumentos de controle social de acordos entre o poder público e entes privados, apontou que as principais possibilidades de parcerias são: Autorização; Concessão; Permissão; Termo de Colaboração; Termo de Fomento; Acordo de Cooperação; e Termo de Parceria.
Sobre o uso desses diferentes instrumentos, Rodrigues e Abrucio (2019) dividem em dois grupos, o primeiro são os acordos voltados aos entes privados com fins lucrativos (Autorizações, Permissões e Concessões) e o segundo grupo são as parcerias voltadas às instituições privadas sem fins lucrativos (Termo de Colaboração; Termo de Fomento; Acordo de Cooperação; e Termo de Parceria).
O Instituto Ekos Brasil possui o Acordo de Cooperação com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Biodiversidade) voltado ao apoio à gestão da APA e do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu e possui também o Termo de Parceria com o IEF (Instituto Estadual de Florestas, órgão gestor das UCs de Minas Gerais) voltado às ações de consolidação do Parque Estadual do Rio Doce. Essas duas parcerias têm como uma de suas áreas temáticas o Uso Público, mas também tratam de outros temas importantes para as UCs.
Especificamente sobre as parcerias com fins lucrativos, Rodrigues e Abrucio (2019) destacam que as autorizações e permissões são instrumentos relacionados ao desenvolvimento de um trade turístico local, visto que podem ser aplicadas às pessoas e organizações do entorno da UC. Já as concessões voltam-se às grandes organizações que dispõem de poder aquisitivo para os contratos de longo prazo estabelecidos com o estado.
Apesar de ampla possibilidade de parcerias, a agenda pública dos últimos anos tem dado enfoque especial para o uso das concessões como carro-chefe para promoção de uma melhoria dos serviços de apoio ao uso público em Unidades de Conservação. Rodrigues e Botelho (2023), ao analisarem o mapeamento das parcerias em áreas protegidas promovido pelo OPAP, destacaram esse instrumento como forte componente das agendas estaduais e federal, seja como contrato de concessão estabelecido, ou em estudo para sua implementação.
A questão que nos motiva, a partir dessas indicações, é se o Brasil, em sua vasta territorialidade, tem promovido um nível de diálogo suficiente para encontrar a melhor parceria para cada território.
Como exemplo, em uma análise apurada sobre a Lei Estadual das concessões de serviços de apoio à visitação em Parques Estaduais de São Paulo, Rodrigues (2021) identificou que o debate sobre o uso deste instrumento foi aquém do necessário. Ficou evidente que o processo participativo e de escuta ativa dos povos de alguns dos territórios listados na norma não havia sido feito durante a construção da Lei Estadual 16.260/2016, visto que muitos destes Parques são sobrepostos às territorialidades destas comunidades.
Tal fato foi questionado por diferentes instâncias da sociedade civil e, em 2023, o STF (Superior Tribunal Federal) expôs que Parques de São Paulo que estão previstos na Lei em questão e são sobrepostos a territórios tradicionais não poderão usar desse instrumento de parceria (PRIOSTE, 2023). Essa decisão, segundo o autor, poderá influenciar as concessões de outras UCs.
A partir desses dados apresentados, voltamos à nossa questão inicial: qual parceria é mais adequada a um território? Essa pergunta não pode ser respondida de imediato, mas nos é evidente que para construir a resposta é necessário compreender que cada UC é composta de muitas perspectivas. A discussão sobre esse assunto é importante, e já estão em curso iniciativas nessa direção, como o curso “Parcerias para a visitação em áreas protegidas” realizado pelo WWF com apoio do Instituto Semeia, ou com as análises apuradas feitas pelos pesquisadores do OPAP sobre esses arranjos. Compreendemos, também, que um dos requisitos para delinear esses acordos é a construção de espaços de diálogo, para que assim a importância de nossa pluralidade seja posta em prática nas futuras parcerias que somem à gestão das UCs e dos espaços culturais que elas representam.
[1] Coordenador de Projetos de Conservação da Biodiversidade – Instituto Ekos Brasil. E-mail: lucas.milani@ekosbrasil.org
[2] Diretora de Relações Institucionais – Instituto Ekos Brasil. E-mail: cicawey@ekosbrasil.org
EAGLES, P. F. J.; MCCOOL, S.; HAYNES, C. D. Turismo sostenible en áreas protegidas Directrices de planificación y gestión. Madrid: IUCN, 2003. Disponível em < https://www.ucipfg.com/Repositorio/MGTS/MGTS15/MGTSV15-05/Semana5/lecturas5/005.pdf> Acesso em jun 2023.
MORO, C. C. Relatório técnico: controle social em parcerias para apoio ao uso público em unidades de conservação / Carolina Corrêa Moro, Fernanda dos Santos Rotta, Esther Éles; coordenação Camila Gonçalves de Oliveira Rodrigues, Eloise Silveira Botelho. — São Paulo : Observatório de Parcerias em Áreas Protegidas : Instituto Linha D’Água : Rotta Moro Sociedade de Advogados, 2022. Disponível em <https://static1.squarespace.com/static/5ef2bcefd0f78d7344a72109/t/627d5784ed5bc3637073f06a/1652381593286/Relato%CC%81rio+2022+CONTROLE+SOCIAL+EM+PARCERIAS+UCs+versao+final_rev.pdf> Acesso em jun 2023.
PEREIRA, P. F; SCARDUA, F. P. Espaços territoriais especialmente protegidos: conceito e implicações jurídicas. Ambiente e Sociedade, Campinas, vol 11, n. 1, p. 81-97, jan-jun 2008. Disponível em <https://www.scielo.br/j/asoc/a/ZQ47CM46G7jkwx53ztmqsxN/?format=pdf&lang=pt > Acesso em jun 2023.
PRIOSTE, F. STF impede que São Paulo conceda territórios tradicionais à iniciativa privada. Jornal O Eco. 24 mai 2023. Disponível em < https://oeco.org.br/analises/stf-impede-que-sao-paulo-conceda-territorios-tradicionais-a-iniciativa-privada/> Acesso em jun 2023.
RODRIGUES, L. M. Concessão de serviços de apoio à visitação em Parques: uma análise à luz da Ecologia Política. 2021. Tese (Doutorado em Ciências da Engenharia Ambiental) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2021. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/18/18139/tde-19012022-155937/es.php> Acesso em jun 2023.
RODRIGUES, C. G. DE O.; ABRUCIO, F. L. Parcerias e concessões para o desenvolvimento do turismo nos parques brasileiros: possibilidades e limitações de um novo modelo de governança. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, v. 13, n. 3, p. 105–120, 24 ago. 2019. Disponível em <https://rbtur.org.br/rbtur/article/view/1575> Acesso em jun 2023.
RODRIGUES, C. G. de O.; BOTELHO, E. S. Parcerias em áreas protegidas: diversidade de modalidades, propósitos e efeitos envolvidos. Revista Brasileira De Ecoturismo (RBEcotur), v. 16 n. 3 (2023): Dossiê: Desafios e perspectivas das parcerias para o lazer e o turismo em áreas protegidas. Disponível em <https://www.periodicos.unifesp.br/index.php/ecoturismo/article/view/15147> Acesso em jun 2023.
SÃO PAULO. Lei no 16.260. Autoriza a Fazenda do Estado a conceder a exploração de serviços ou o uso, total ou parcial, de áreas em próprios estaduais que especifica e dá outras providências correlatas. Disponível em: < https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2016/lei-16260-29.06.2016.html> . 29 jun. 2016. Acesso em jun 2023.
WWF. Guia ajuda gestor de UC a identificar oportunidade de melhora no uso público. Disponível em < https://www.wwf.org.br/?86080/guia-ajuda-gestor-de-uc-a-identificar-oportunidade-de-melhora-no-uso-publico#:~:text=As%20parcerias%20para%20a%20oferta,Unidades%20de%20Conserva%C3%A7%C3%A3o%20(Snuc).> Acesso em jun 2023.
“Um interminável tapete verde, salpicado pela glória de árvores inteiras em plena floração – o rosa-púrpura de sapucaias, o branco e vermelho de copaíbas, o amarelo de guapiruvus, o violeta de jacarandás.” Assim Warren Dean descreve como seria a vista de um sobrevoo de 747 que voasse de volta no tempo sobre o bioma hoje habitado por aproximadamente 70% da população brasileira: a Mata Atlântica. A Mata Atlântica, chamada Caáetê, em tupi pelos povos indígenas, seus habitantes originais, traduzida como a Floresta Verdadeira, a Floresta Ilesa, é composta por um complexo de formações florestais de biodiversidade inestimável.
Fazem parte deste complexo: a Floresta Ombrófila Densa; a Floresta Ombrófila Mista, também conhecida como Mata de Araucárias; a Floresta Ombrófila Aberta; a Floresta Estacional Semidecidual; a Floresta Estacional Decidual; e os ecossistemas associados: manguezais, vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste.
A Floresta Verdadeira abriga a segunda maior biodiversidade das Américas e o maior número de espécies por área, conforme informações levantadas pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
Dados coletados pela SOS Mata Atlântica materializam a importância do bioma para a conservação da biodiversidade: são mais de 2.400 espécies de vertebrados atualmente registradas, sendo mais de 320 espécies de mamíferos, 860 de aves, 300 de répteis, 620 de anfíbios e 300 de peixes. Aproximadamente 48% do total destas só ocorrem na Mata Atlântica, ou seja, são endêmicas ao bioma. Para a flora o contexto não é diferente: são conhecidas mais de 15.000 espécies, que representam 4% de toda a flora mundial, sendo que 49,5% são endêmicas. A Mata Atlântica protege cerca de 50,5% de todas as espécies ameaçadas do Brasil, destas, 38,5% são endêmicas.
O bioma é reconhecido nacional e internacionalmente pela sua importância para a conservação e, infelizmente, pelas ameaças que sofre. A Constituição Brasileira de 1988 reconhece a Mata Atlântica como Patrimônio Nacional. É também o único bioma brasileiro protegido por uma lei especial, a Lei da Mata Atlântica, que dispõe sobre sua proteção e uso de sua biodiversidade e recursos (Lei n° 11.428, de 2006, regulamentada pelo Decreto n° 6.660, de 2008). Internacionalmente, desde 1991, diversos territórios inseridos na Mata Atlântica são reconhecidos como Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA) pela UNESCO, abrangendo uma área de cerca de 89 milhões de hectares, cobrindo aproximadamente 66% da Mata Atlântica. Ainda, o bioma é considerado um dos hotspots globais prioritários para proteção, devido a sua elevada riqueza biológica e endemismos, e pela grande pressão e perda de cobertura da vegetação nativa sofrida.
Estima-se que a Mata Atlântica, originalmente ocupava por volta de 1,5 milhões de km2 distribuídos pelo Brasil, Argentina e Paraguai. Destes, mais de 1,1 milhão km2 encontram-se em território brasileiro, se estendendo por grande parte de nossa costa e interiorizando-se por 17 estados. Hoje, de acordo com levantamentos da SOS Mata Atlântica, restam apenas 12,4% de florestas maduras e bem preservadas.
Warren Dean menciona que a história florestal em todo planeta é uma história de exploração e destruição. A história dos 12% que restaram de floresta preservada não é diferente, sendo consequência de diferentes ciclos de exploração humana de recursos naturais e da ocupação territorial a partir da costa brasileira, desde o período colonial. Esses processos, altamente desordenados, resultaram na drástica redução da cobertura florestal e na intensa fragmentação deste bioma, impactando diretamente a dinâmica ecológica e a conservação da biodiversidade.
De acordo com o relatório 30 Anos de Conservação do Hotspot de Biodiversidade da Mata Atlântica, as florestas remanescentes encontram-se altamente fragmentadas, sendo que a maioria dos fragmentos não chega a ocupar 50 hectares e 80% deles estão localizados em terras privadas. Os dados do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica de 2022 ainda apontam um aumento no desmatamento nos últimos anos, entre 2021 e 2022 foram desmatados 21.642 hectares de florestas, um aumento de 66% em comparação ao período anterior (2019-2020) e de 90% em relação ao período com menor valor da série histórica desde 1990 (2017-2018).
Atualmente a conservação da Mata Atlântica passa por novo ataque e ameaça, com a proposta de Medida Provisória 1.150/2022 em curso no Congresso Nacional, que desmonta a proteção legal do bioma estabelecida com a Lei da Mata Atlântica em 2006. O texto, editado no governo anterior, foi aprovado pela Câmara em março de 2023; em maio foi para avaliação do Senado, que impugnou as medidas contrárias à Lei da Mata Atlântica; e, no mesmo mês, a Câmara dos Deputados as recolocou em pauta. A MP 1.150/2022 agora vai para sanção ou veto pela Presidência da República. A medida provisória flexibiliza o desmatamento de vegetação primária e secundária em estágio avançado de regeneração, retira a necessidade de parecer técnico prévio para desmatamento de vegetação no estágio médio de regeneração em área urbana, retira a exigência de medidas compensatórias para supressão de vegetação em APP, dentre outras permissões perigosas, que vão na contramão da proteção do bioma.
O dia 27 de maio, Dia Nacional da Mata Atlântica, deve ser um marco para fortalecermos ações que contribuam para o fim do desmatamento e para a ampliação da cobertura de vegetação nativa do bioma. A aplicação efetiva da Lei da Mata Atlântica e do Código Florestal; a coibição do desmatamento e de outras práticas delituosas; a restauração de áreas degradadas; a criação e a consolidação de unidades de conservação; e a criação e implementação de corredores ecológicos que contribuam para a conectividade de fragmentos florestais, são exemplos de ações e estratégias de conservação da biodiversidade que devem ser fortalecidas em todos os âmbitos da sociedade.
Por Marina Tiengo
Mosaico Sertão Veredas: uma floresta modelo.
30 Anos de Conservação do Hotspot de Biodiversidade da Mata Atlântica: desafios, avanços e um olha para o futuro. Organizado por Luis Paulo Pinto e Marcia Makiko Hirota – São Paulo: Fundação SOS Mata Atlântica, 2022.
A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. Warren Dean; tradução Cid Knipel Moreira; revisão técnica José Augusto Drummond. – São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, período 2020-2021: Relatório Técnico – São Paulo: Fundação SOS Mata Atlântica, 2022.
https://en.unesco.org/biosphere/lac/mata-atlantica, acessado em maio de 2023.
https://rbma.org.br/n/, acessado em maio de 2003.
https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/ecossistemas-1/biomas/mata-atlantica, acessado em maio de 2023.
https://www.sosma.org.br/causas/mata-atlantica/, acessado em maio de 2023.
Lar de diversas espécies de aves raras e até mesmo ameaçadas de extinção, o Parque Estadual do Rio Doce – PERD foi um dos destaques no Congresso Avistar Brasil, realizado neste fim de semana na cidade de São Paulo (SP). O evento focado na observação de aves é o maior do gênero na América Latina, e este ano contou com a participação de mais de oito mil participantes. Na 16ª edição do evento, os participantes puderam conhecer mais das riquezas do maior fragmento contínuo de Mata Atlântica do estado de Minas Gerais, sobretudo as aves do PERD.
Durante o evento, Henrique Júnior, coordenador do “Projeto Observação de aves do PERD e entorno” e membro da Associação Amigos do Parque Estadual do Rio Doce – DuPERD, apresentou palestra a respeito das estruturas e a biodiversidade do Parque. Para Henrique, o evento é uma oportunidade única para divulgação do PERD como destino para a observação de aves. A participação de Henrique contou com o apoio do Instituto Estadual de Florestas – IEF, via Termo de Parceria n.º51/2021.
“Participar do Avistar é de uma relevância absurda. O Avistar é o lugar onde pessoas interessadas na observação de aves de todo o Brasil se encontram, tanto os consumidores desse tipo de turismo quanto aqueles que estão promovendo seus destinos. Estar presente no Avistar é se colocar nesse mercado amplo e crescente no Brasil. Representar o PERD, apresentando esse destino promissor, é muito relevante e vai gerar frutos no futuro para a Unidade de Conservação, bem como para pessoas da região que estejam envolvidas com essas atividades”, pontua Henrique.
A iniciativa para desenvolvimento do Parque Estadual do Rio Doce como destino de observação de aves nasceu há 10 anos atrás por meio da DuPERD, que ao lado da gestão da unidade de conservação e voluntários, em especial destaca-se a participação do biólogo Tiago Dornas, um dos primeiros entusiastas da ideia. Ao longo dos anos essa ideia contou com a participação de diversos atores como o projeto Turismo no Vale, iniciativa do Sebrae MG e Circuito Turístico Mata Atlântica de Minas – CTMAM.
Em 2019, a iniciativa ainda foi contemplada com recursos, junto ao Edital Doce da Fundação Renova, o que possibilitou um salto nas ações de promoção da atividade por meio do projeto “Aves do PERD” no qual foram desenvolvidas diversas ações como, capacitação para condutores e receptivos turísticos, cursos de fotografias, aquisição de equipamentos e a criação do Guia de bolso das Aves do PERD e entorno.
Henrique explica que neste processo, o PERD bem como o entorno da Unidade de Conservação, tem se fortalecido como um destino para a prática da observação de aves. “Todas essas ações contribuíram significativamente para a implementação desse destino. A partir da divulgação e dessa preparação, o Parque tem sido procurado, cada dia mais, por turistas de diversos lugares do Brasil que querem descobrir novas opções de locais para observação de aves e conseguir novas espécies para suas listas”, destaca Henrique.
Com mais de 36.000 hectares de área protegida, o Parque Estadual do Rio Doce abriga diversidade de aves das quais muitas delas são raras ou se encontram em elevado grau de ameaça a nível mundial, entre elas o pica-pau-dourado-grande (Piculus polyzonus), jacu-estalo (Neomorphus geoffroyi dulcis) e o bicudo (Sporophila maximiliani).
“O PERD se constitui como um dos últimos refúgios de dezenas espécies de aves da Mata Atlântica em Minas Gerais. Temos mais de 20 espécies de aves ameaçadas de extinção globalmente que são encontradas dentro da Unidade de Conservação. Sendo assim, o Parque é muito representativo por ter essa conservação e é um destino que vale ser divulgado, pois sem esse território de preservação muitas espécies já teriam desaparecidos do nosso estado”, reforça Henrique.
Nos dias 12 e 13 de abril, foi realizada a 44º Reunião Ordinária do Conselho Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu na Câmara de Vereadores de São João das Missões e na Terra Indígena Xakriabá.
O conselho reuniu gestores das unidades de conservação e Terras Indígenas, representantes de organizações da sociedade civil e do poder público, lideranças locais e órgãos ambientais relacionados às 23 Unidades de Conservação e 2 Terras Indígenas que compõe esse mosaico de áreas protegidas reconhecido pelo Ministério do Meio Ambiente em 2009.
A reunião do mosaico é um espaço formal para gestão integrada e compartilhada desse território de quase 1,8 milhão de hectares localizado no norte de Minas Gerais e parte da Bahia. O Ekos Brasil é a secretaria executiva do Conselho do Mosaico e conduziu a reunião junto à presidência desse conselho formado pela ICMBio e IEF.
Dentre os assuntos discutidos, destacamos as duas apresentações feitas pelo Ekos. A primeira foi sobre o projeto Restauração Florestal com Ênfase em Plantas Medicinais e Frutíferas apoiado pela Embaixada Suíça. Nessa apresentação, foram apresentadas e discutidas com os conselheiros as atividades de restauração florestal, valorização do conhecimento local em medicina e ações de prevenção a incêndios.
A segunda apresentação feito pelo Ekos junto a APAE de Januária foi sobre o projeto Peruaçu: Uma Trilha para a Acessibilidade. Foram apresentados os resultados obtidos para que as pessoas com deficiência pudessem acessar o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu. O primeiro avanço a realização de um curso para os condutores e equipe do ICMBio estarem mais bem preparados para lidar com pessoas com deficiência física, auditiva, visual e/ou intelectual. O outro avanço foi com o desenvolvimento de uma cadeira adaptada para levar pessoas com deficiência ao longo de trilhas que tenham escadas e sejam íngremes.
Confira alguns cliques das apresentações dos projetos para o Mosaico Sertão Veredas Peruaçu:
Cerca de 30 pessoas participaram de uma oficina imersiva, entre os dias 11 e 14 de abril, no Centro de Treinamento do Parque Estadual do Rio Doce para revisar o Plano de Manejo da Unidade de Conservação. Estiveram presentes instituições públicas, privadas, terceiro setor, associações e representantes das comunidades da região.
A oficina é o fechamento de uma série de 04 reuniões preparatórias realizadas em janeiro e fevereiro nos municípios do entorno do Parque. Também foram realizadas remotamente duas reuniões setoriais, uma com representantes do terceiro setor e a outra com o setor produtivo. Ao todo foram 126 pessoas envolvidas no debate.
“O Plano de Manejo é uma oportunidade de criar estratégias frente à nova realidade de gestão e dos desafios que se apresentaram após o rompimento da barragem de fundão em 2015. Esse plano será uma ferramenta poderosa para que a gente desenhe muito bem as tendências e as ameaças junto aos recursos e valores fundamentais do Parque Estadual do Rio Doce”, disse Vinicius de Assis Moreira , gerente do Parque Estadual do Rio Doce.
Ao final da revisão, as instituições e moradores convidados construíram um documento com o propósito, a significância do Parque, seus recursos e valores fundamentais, seu zoneamento, assim como as questões-chave que deverão ser priorizadas nos próximos anos. Esse documento final será encaminhado à Câmara de Proteção à Biodiversidade e de Áreas Protegidas (CPB) para que seja aprovado e torne-se o referencial técnico para gestão do Parque Estadual do Rio Doce.
“De fato, a oficina não é o ponto final ainda da revisão. Esse documento será discutido em outros fóruns do governo de Minas Gerais e só então teremos um novo Plano de Manejo que substituirá aquele executado em 2003”, reforça Maria Cecília Wey de Brito, diretora de relações institucionais do Instituto Ekos Brasil.
Toda a construção do Plano de Manejo foi pautada no novo Roteiro Metodológico do ICMBio e teve início em agosto de 2022. O Plano foi conduzido pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF) juntamente ao Instituto Ekos Brasil, OSCIP parceira por meio do Termo de Parceria nº 51/2021 firmado em dezembro de 2021, e contou também com o apoio da empresa Plantuc Projetos Socioambientais.
Para a construção do documento de revisão, participaram da oficina imersiva representantes do Instituto Estadual de Florestas (IEF); Agência Regional Metropolitana do Vale do Aço (ARMVA); Circuito Turístico da Mata Atlântica (CTMAM); Câmara de Vereadores do município de Marliéria; as prefeituras de Marliéria, Timóteo, Dionísio, Pingo D’Água, Bom Jesus do Galho.
Além dessas instituições, participaram representantes da UNIVALE (Universidade do Vale do Rio Doce), UFV (Universidade Federal de Viçosa), ICAS (Instituto de Conservação de Animais Silvestres), bem como representantes do terceiro setor, AMDA (Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente), Associação Relictus, Associação DuPERD e Soma Cultural. Do setor privado estiveram presentes as empresas ArcelorMittal, CENIBRA e GPM. Por fim, destaca-se a participação de representantes de associações e moradores do entorno, fortalecendo a visão comunitária para o processo de revisão do Plano.
“Esse foi um processo construído a muitas mãos e é muito interessante discutir novamente, após quase 20 anos a gestão do Parque Rio Doce”, comentou Letícia Horta Vilas Boas, Gerente de Criação e Manejo de Unidades de Conservação no IEF.
Trata-se de um “documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade”, conforme prega a Lei Federal nº 9.985/2000, Art. 2º, inciso XVII).
O plano de manejo é elaborado a partir das melhores informações disponíveis a respeito da UC e região, com o objetivo de estabelecer seu planejamento estratégico. Uma de suas ferramentas mais importantes é o zoneamento que organiza espacialmente a unidade em setores ou zonas, incluindo a zona de amortecimento, sob diferentes graus de proteção, e define normas de uso que propiciam as condições para que seus objetivos possam ser alcançados.
O plano de manejo também propõe medidas para promover a integração da UC à vida econômica e social das comunidades relacionadas a ela, essencial para que sua implementação seja mais eficiente. No Estado de Minas Gerais os planos de manejo das unidades de conservação são submetidos à aprovação do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).
*Com informações da Ascom/Sisema
Agência Minas: Parque Estadual do Rio Doce recebe representantes de instituições e comunidade para oficina de revisão do plano de manejo.
Diário de Caratinga: Parque Estadual do Rio Doce recebe representantes de instituições e comunidade para oficina de revisão do plano de manejo.
Diário do Aço: IEF conclui reuniões para revisão do Plano de Manejo do Perd.
Jornal de Uberaba: Parque Estadual do Rio Doce recebe representantes de instituições e comunidade para oficina de revisão do plano de manejo.
Agência RMVA: Plano de Manejo do Parque Estadual do Rio Doce passa por revisão.
Desde 2021 o Instituto Ekos Brasil compõe a Secretaria Executiva do Conselho do Mosaico de Áreas Protegidas Sertão Veredas Peruaçu, mas a nossa relação com a região já possui quase duas décadas. Por isso, podemos dizer que nossa ligação com a área não é apenas de trabalho, mas é também cheia de afeto e dedicação pela natureza e pelas comunidades que ali habitam.
E para nós é motivo de muito orgulho ver que o Mosaico Sertão Veredas Peruaçu acumula alguns “títulos”, tamanha sua importância em âmbito nacional e internacional para a conservação. Um deles é o de Floresta Modelo, atribuído em 2005, sendo umas das seis existentes no Brasil.
Uma Floresta Modelo é uma plataforma de gestão territorial que contempla processos sociais, inclusivos e participativos tendo em vista o desenvolvimento sustentável. Essas florestas atuam especialmente por três dos 17 ODSs: erradicação da pobreza (1), combate às alterações climáticas (13) e vida sobre a terra (combate à desertificação – 15).
De caráter público-privadas, intersetoriais, voluntárias e de governança participativa, essas áreas estão ligadas em redes, sendo a rede internacional composta por 60 florestas em 35 países. No caso do Brasil, temos seis florestas na Rede Nacional de Florestas Modelo (criada em 2019), que por sua vez compõem a Rede Latino-Americana, com 36 florestas. Ao todo, contemplam aproximadamente 10,7 milhões de hectares, com elevada sociobiodiversidade, distribuídas nos biomas da Mata Atlântica, Amazônia, Cerrado, Caatinga e Pantanal e abrigam uma população superior a 1,5 milhão de pessoas.
Localizada no norte e noroeste de Minas Gerais e parte do sudoeste da Bahia, à margem esquerda do Rio São Francisco com área total de 1.783.799 hectares e perímetro de 1.210 km, nossa floresta tem como bioma predominante o Cerrado e abriga uma grande quantidade de aves e mamíferos, muitos em extinção. De acordo com o Sistema Nacional de Informações Florestais, ali vivem cerca de 70 mil pessoas que sobrevivem da produção agrícola, apícola e avícola, da fabricação de carvão vegetal, extração de pequi e buriti.
A governança da Floresta Modelo na região auxilia no monitoramento ambiental, na prevenção e controle de incêndios florestais, na produção sustentável de mel de abelha e na extração do babaçu, além de ajudar a promover o artesanato regional.
Apenas para citar algumas das atividades desenvolvidas a partir da Floresta Modelo, estão a estruturação do Centro Comunitário de Extrativismo e Artesanato do Cerrado de Pandeiros; o apoio à implementação de pequenas unidades familiares de criação de aves, caprinos e ovinos por meio da Cooperativa de Produtores Agroextrativistas do Projeto COOPAE; a implementação da unidade de processamento integral do babaçu; e a organização, estruturação e capacitação de associações comunitárias.
Cada Florestas Modelo no Brasil e ano de criação:
A Floresta Modelo Mata Atlântica (MG) | 2004 |
Floresta Modelo Mosaico Sertão Veredas Peruaçu (MG/GO/BA) | 2005 |
Floresta Modelo Caçador (SC) | 2013 |
Floresta Modelo Amazonas Tapajós (PA) | 2017 |
Floresta Modelo da Hileia Baiana (BA/ES) | 2019 |
Floresta Modelo Pantanal (MS) | 2021 |
Criada em 2019, a rede brasileira nasce com o objetivo principal de orientar e apoiar o funcionamento e a governança do conjunto das Florestas Modelo existentes no país e daquelas que venham a ser criadas.
Além disso, deve apoiar a gestão e governança de seus membros, reconhecer as práticas e ações de sucesso com o intuito de replicá-las em outras Florestas Modelo, promover intercâmbios e eventos e apoiar a criação de novas Florestas Modelo. A Rede vem sendo fortalecida para que as Florestas Modelo continuem valorizando a biodiversidade e os povos tradicionais, mitigando os impactos das mudanças climáticas e promovendo a bioeconomia.
O Instituto Ekos Brasil apoia e participa das iniciativas da Rede Brasileira de Florestas Modelo, representando a Floresta Modelo Sertão Veredas Peruaçu.
Para saber mais e saber como apoiar nosso trabalho na região, entre em contato com a gente!
Um “corredor verde” na cidade, um “rooftop” que vira jardim, o terreno baldio que vira horta, a encosta de um viaduto que se transforma em uma mini floresta vertical. Soluções simples e até visualmente bonitas, mas quase sempre incompreendidas e por isso pouco valorizadas pelos cidadãos comuns.
Re-naturalizar as cidades é, na verdade, uma das soluções baseadas na natureza que têm o intuito, por exemplo, de reduzir o fluxo de água das tempestades que pressionam os sistemas de drenagem em grandes cidades. O mesmo serviço que presta uma floresta na regulação do nosso sistema hídrico natural.
O exemplo é para deixar um pouco mais claro o que significa um dos “termos do momento” no universo da sustentabilidade: Nature-Based Solutions (NbS), ou Soluções Baseadas na Natureza (SbN), uma das metas estabelecidas pelo Marco Global da Biodiversidade.
As Soluções Baseadas na Natureza são ações para proteger, gerenciar de forma sustentável e restaurar ecossistemas naturais ou modificados, que abordam os desafios sociais de forma eficaz e adaptativa, proporcionando simultaneamente benefícios ao bem-estar humano e à biodiversidade
União Internacional para a Conservação da NaturezA
Tecnicamente, é um termo amplo que contempla outras abordagens e estudos já estabelecidos como adaptação baseada em ecossistema (EbA, sigla em inglês) e mitigação (EbM, sigla em inglês), redução de riscos de desastres ecológicos (eco-DRR, sigla em inglês), Infraestrutura Verde (GI sigla em inglês) e Soluções Climáticas Naturais (NCS, sigla em inglês).
Em palavras mais simples, as SbN se inspiram em sistemas e serviços desenvolvidos pela própria natureza com o intuito de resolver ou amenizar alguns dos grandes desafios globais como as mudanças climáticas, a degradação dos ecossistemas, a perda de espécies silvestres e o crescimento cada vez mais preocupante de cidades pouco planejadas, insustentáveis e insalubres.
Acima demos um exemplo de como nossas cidades podem se beneficiar dessas soluções. Mas existem muitos outros que impactam positivamente, de uma maneira geral, a sociedade, a natureza e a economia.
São exemplos de Soluções Baseadas na Natureza a agricultura social (práticas de agricultura desenvolvidas nos centros urbanos e periferias como hortas comunitárias que promovem saúde, inclusão social e aproveitamento “verde” de espaços urbanos); irrigação com água de reuso (assim como a natureza reutiliza a água); restauração de planícies inundadas, dentre outros.
A aposta nas NbS não é à toa. Tais práticas são inovadoras na medida em que garantem serviços de infraestrutura eficientes a um custo muito menor de implementação e manutenção do que outros tipos de engenharia e serviços, sem mencionar o fato de que muitas dessas soluções se tornam autossustentáveis ao longo do tempo.
O conceito de Soluções baseadas na Natureza é uma forma de aumentar a percepção das pessoas sobre os serviços que a natureza presta. Ademais, ajudam a atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Além disso, ao mesmo tempo em que entregam infraestrutura, as NbS também edificam maior resiliência climática ao sequestrar carbono, gerar habitat para a biodiversidade, promover o crescimento verde, a eficiência energética, a melhoria da qualidade do ar, dentre outros, e ainda gerar cobenefícios sociais para como recreação e inclusão para as comunidades envolvidas.
Por Cibele Lana.
Realizada em dezembro de 2022, a última Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP15) fechou sua Plenária com a aprovação importante do Marco Global da Biodiversidade. Com quatro objetivos e 23 metas, sobre as mais variadas temáticas, o documento foi chamado de “Acordo de Paris” da Biodiversidade, tamanha sua importância para frear o desequilíbrio ecossistêmico.
Um dos destaques do Marco é a validação do papel dos povos indígenas como guardiões da biodiversidade e detentores de saberes inigualáveis sobre o manejo e restauração das áreas naturais.
No Brasil, temos muitos exemplos que comprovam esse papel. Não à toa o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, na Amazônia, foi reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como Patrimônio Cultural do Brasil. Desenvolvido pelos povos indígenas da região, esse sistema tradicional repleto de saberes evidencia a habilidade desses povos em produzir de forma sustentável, especialmente com a cultura da mandioca, garantindo a conservação da floresta.
Esse é só um exemplo, já bastante difundido no senso comum, de como os povos indígenas desenvolveram formas de manejo sustentável da floresta capazes de produzir alimentos ao mesmo tempo em que mantêm o equilíbrio do ecossistema. De fato, de acordo com o Instituto Socioambiental, foram as técnicas de manejo sustentável dos indígenas que deram origem a produtos que conhecemos hoje, de plantas como a castanheira, a pupunha, o cacau, o babaçu, a mandioca e a araucária.
No entanto, para ir além do senso comum, apresentamos ao menos três pesquisas e relatórios recentes e de alta confiabilidade que atestam a importância primordial dos povos indígenas e suas terras, juntamente com as Unidades de Conservação, para a conservação da biodiversidade dos nossos biomas. Uma comprovação científica e baseada em dados para o que o Marco Global da Biodiversidade já afirma.
O mais recente relatório do projeto Amazônia Viva, do WWF, divulgado no segundo semestre de 2022, afirma que enquanto apenas nove variedades de plantas representam 66% da produção agrícola mundial, os povos indígenas da Amazônia utilizam cerca de 200 espécies diferentes de árvores como fontes madeiráveis, 100 das quais também oferecem outros tipos de produtos. Por isso, o relatório é categórico:
“Os sistemas de produção agrícola biodiversos dos povos indígenas amazônicos ajudam a deter a perda de biodiversidade e desertificação do solo, ao mesmo tempo que contribuem com a soberania alimentar a nível local”.
Para corroborar com a evidência de que os povos indígenas têm muito a nos ensinar sobre desenvolvimento sustentável e proteção dos recursos naturais, uma pesquisa recente conduzida pela Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada mostrou que a menor taxa de desmatamento na Amazônia Legal entre 2001 e 2020 aconteceu em Territórios Indígenas, enquanto que a maior aconteceu fora desses Territórios e fora das Áreas Naturais Protegidas. Atualmente, são 390 Territórios Indígenas na Amazônia Nacional, representando 22,1% desta região e que confirmam ser, também, uma proteção resiliente contra aqueles garimpeiros, grileiros, madeireiros, fazendeiros etc, que ainda não compreenderam a importância da conservação da floresta e do seu uso sustentável.
Dados como esses são importantes para a fundamentação de acordos globais e nacionais de combate às mudanças climáticas e conservação da natureza. Para contribuir com esse objetivo, um grupo de cientistas publicou em 2018 na Nature Sustainability, um renomado journal científico, o estudo “A spatial overview of the global importance of Indigenous lands for conservation” que fez uso de referências geoespaciais e sugeriu fortemente que “reconhecer os direitos dos povos indígenas à terra, à repartição de benefícios e instituições é essencial para atingir as metas locais e globais de conservação da biodiversidade”.
A pesquisa mostrou também que mesmo que povos indígenas representem apenas 5% da população global, eles administram ou têm direito sobre 38 milhões de km2 de terras em 87 países, o que representa mais de um quarto da superfície terrestre e, ainda, são áreas que cruzam com cerca de 40% de todas as áreas terrestres protegidas e com paisagens ecologicamente intactas.
A figura a seguir foi retirada do estudo e mostra a interseccionalidade entre terras indígenas, áreas protegidas e paisagens naturais em cada região do globo. O círculo maior é proporcional, em escala, à área total terrestre do planeta (excluindo a Antártica).
Em nossa jornada ao longo de anos trabalhando com projetos de biodiversidade, podemos dizer que a experiência em campo nos confirma o que dizem as pesquisas, os relatórios e o próprio Marco Global da Biodiversidade. Onde há respeito pela cultura e pelos territórios dos povos indígenas, consequentemente há também uma conservação maior da biodiversidade.
Entre em contato e saiba mais sobre as nossas iniciativas relacionadas à conservação da biodiversidade.