INSTITUTO ECKOS LOGO

Blog

#NossoBlog

Instituto Ekos Brasil propõe programa para manejo sustentável de aquífero profundo em Jurubatuba, em São Paulo. Se bem sucedido, pode ser aplicado a outras regiões metropolitanas do País

Cibele Lana 08 dez 2020

Instituto Ekos Brasil propõe programa para manejo sustentável de aquífero profundo em Jurubatuba, em São Paulo. Se bem sucedido, pode ser aplicado a outras regiões metropolitanas do País

 

Por: Ana Cristina Moeri, Olivier Maurer e Sander Eskes*

Artigo originalmente publicado na Página 22

 

[Foto: Indústrias instaladas na região de Jurubatuba. Hamilton Furtado/ Wikimedia Commons]

A crise hídrica que atingiu o estado de São Paulo entre os anos de 2014 e 2015 é um fantasma que invariavelmente volta para assombrar a população e as autoridades nos meses de verão. À época, especialistas apontavam que situações de estresse hídrico seriam cada vez mais recorrentes devido à mudança climática. Apesar desse cenário, o uso das águas subterrâneas para o abastecimento público ainda é pouco explorado, tendo desempenhado um papel irrelevante durante a crise hídrica. Estudos apontam um potencial bastante significativo para a exploração dos aquíferos da Região Metropolitana de São Paulo, mas seu uso depende do enfrentamento coletivo de problemas ambientais.

É o caso do aquífero cristalino profundo, que se estende por uma grande área na Região Metropolitana de São Paulo e sofre com problemas de contaminação, principalmente na região de Jurubatuba, na Zona Sul da capital paulista. A região se caracteriza por uma forte atividade industrial a partir da segunda metade do século passado, apresentando densa urbanização com poucas áreas de mata e campo preservadas e um histórico de contaminação de água subterrânea por diversas fontes. Por outro lado, é uma das regiões com uma das maiores extrações de água subterrânea da Bacia do Alto Tietê.

O período mais intenso de contaminação na região de Jurubatuba ocorreu, principalmente, entre as décadas de 1980 e 1990, com a liberação de solventes clorados no solo, que acabaram contaminando as águas subterrâneas mais rasas e o aquífero profundo do local. A partir disso, muitos estudos foram e continuam sendo realizados para detectar o grau de contaminação. É uma tarefa de grande complexidade, pois se trata de um aquífero fraturado, ou seja, um tipo de reservatório subterrâneo em que a água se move pelas fraturas das rochas. Em paralelo, o Ministério Público Estadual já entrou com diversas Ações Civis Públicas exigindo a descontaminação por parte das indústrias instaladas na região à época.

Para enfrentar o problema, o Instituto Ekos Brasil, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), propôs a criação de fundo privado especialmente desenhado para a implementação do Programa Regional de Manejo Sustentável do Aquífero Profundo em Jurubatuba, com mecanismos financeiros que permitam a aplicação de contribuições pelos responsáveis legais por um período limitado. Seu escopo técnico define como objetivo a busca de uma solução pragmática e boa para todos, significando um programa regional eficaz de baixo custo.

O Programa Regional estrutura-se em quatro pilares: 1) criação e manutenção de um banco de dados, reunindo os dados de monitoramento do aquífero profundo de várias fontes, 2) desenvolvimento de ferramentas de apoio à tomada de decisões para os órgãos públicos –  entre os quais Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee), Ministério Público – e outras partes interessadas para possibilitar o manejo do aquífero profundo como uma reserva estratégica ou emergencial, 3) participação dos responsáveis legais em um acordo coletivo e 4) aumento da disponibilidade local de água subterrânea para os atuais e futuros usuários de poços outorgados.

Entre as principais metas do Plano Regional estão garantir maior disponibilidade de água subterrânea, reduzir as restrições de bombeamento e conquistar melhoria gradativa da qualidade regional da água subterrânea com menor risco de exposição da população.

O trabalho será organizado em quatro frentes: prevenção e proteção, monitoramento regional do aquífero profundo, controle hidráulico e acompanhamento das intervenções em áreas fontes e plumas rasas e realizado por prestadores de serviços contratados por meio de processos de licitação. O compartilhamento de recursos e informações entre os participantes do programa resultará em uma abordagem mais rápida, eficaz e econômica para melhorar a qualidade do aquífero profundo.

Um dos resultados positivos esperados é que o programa contribua para a resolução dos conflitos jurídicos existentes, substituindo-os por um acordo coletivo, oferecendo assim maior segurança jurídica para as empresas participantes. O acordo coletivo também prevê o comprometimento dos participantes do programa regional de intervir nas áreas fontes (instalação ou material a partir dos quais os contaminantes se originam e são liberados para os meios impactados) e plumas rasas (pluma formada por compostos dissolvidos na água subterrânea de até 30 metros de profundidade) para que haja uma redução no fluxo de massa de contaminantes para o aquífero profundo.

A criação desse programa, discutida há meses, foi formalmente apresentada a representantes do estado e do município de São Paulo, de consultorias especializadas, do Ministério Público, de universidades e de ONGs durante o XII Seminário Ekos Brasil, realizado no fim de outubro. As reuniões contaram com a participação efetiva de representantes da Cetesb, do Daee e do Ministério Público do Estado de São Paulo, entre outros.

Ainda que existam iniciativas similares no estado de São Paulo, coordenadas pela Cetesb, esta é a primeira vez que se propõe a criação de um programa focado especificamente em melhorar a qualidade da água subterrânea do aquífero profundo. Jurubatuba será o projeto-piloto desenhado a muitas mãos, envolvendo todos os atores sociais, políticos e econômicos relevantes para seu sucesso.

A partir de seu êxito, o mesmo conceito poderá ser aplicado em outras regiões metropolitanas. A proteção, o monitoramento, a reutilização e o manejo das águas subterrâneas urbanas como uma reserva estratégica ou emergencial pode ajudar a mitigar uma crise hídrica no futuro, proporcionando melhor perspectiva de segurança de abastecimento hídrico para a sociedade.

*Ana Cristina Moeri é diretora-presidente do Instituto Ekos Brasil. Mestre em Geografia pela Universidade de Zurique, Suíça; Olivier Maurer é PhD em Geologia de Engenharia na École des Ponts et Chaussées, Paris; e Sander Eskes é doutor em Engenharia Ambiental pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC/USP).

Veja também