INSTITUTO ECKOS LOGO

Blog

#NossoBlog

Tudo o que você precisa saber sobre cavernas no Brasil

Cibele Lana 17 mar 2022

Tudo o que você precisa saber sobre cavernas no Brasil 

O Instituto Ekos Brasil tem uma relação afetiva e responsável com as cavernas brasileiras por sua proximidade com a gestão do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, com o qual cooperamos há mais de uma década e onde estão algumas das cavernas mais emblemáticas do Brasil.

Não há quem não se encante pela Gruta do Janelão, pela Lapa do Rezar, Arco do André, dentre tantas outras, que sempre nos deixam com aquele sentimento de pequenez e gratidão diante de tamanha beleza da natureza.

No intuito de conhecer um pouco mais sobre as cavernas, convidamos para um bate-papo Clayton Lino, sumidade no assunto, diretor de Cooperação da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, ex-presidente por duas vezes da Sociedade Brasileira de Espeleologia e membro da Comissão Mundial de Reservas da Biosfera da Unesco. A seguir destacamos, em uma linguagem simplificada,  alguns dos temas apresentados por nosso entrevistado. 

Nosso bate-papo “começou pelo começo”. “Caverna é uma cavidade natural subterrânea penetrável pelo ser humano, como define a Constituição de 1988. Aqui no Brasil adotamos também a nomenclatura de grutas para cavernas predominantemente horizontais e abismos, para aquelas predominantemente verticais”, explica Lino. 

Nosso país abriga a maior caverna do hemisfério Sul, a Toca da Boa Vista, com cerca de 115km de galerias, localizada na Bahia. E não é preciso estranhar o nome “toca”. Em se tratando de Brasil, regionalismos são bastante comuns e não escapam às cavernas. Lapa, fossa, toca ou buraco também são denominações dadas às cavernas de norte à sul do país.

Moradores das cavernas

Em relação à fauna subterrânea há basicamente três tipos de “moradores” das cavernas. Os Trogloxenos, aqueles que necessitam das cavernas para abrigo, reprodução e/ou alimentação, mas que também saem delas para desenvolver outras atividades do seu dia a dia. Exemplo destes seres são os morcegos e alguns roedores. 

Já os Troglófilos são seres adaptados às cavernas, mas que não necessitam delas para sobreviver. Exemplos são algumas espécies de aranhas e insetos que são encontradas tanto dentro quanto fora dessas cavidades.

Por fim, os Troglóbios também chamados dos verdadeiros cavernícolas, são especializados na vida dentro das cavernas. Há Troglóbios albinos(despigmentados), cegos, mas que desenvolvem outros sentidos e órgãos que os adaptam a sobreviverem na escuridão total das cavernas. Exemplos destes seres são alguns peixes, insetos e crustáceos. 

Cavernas e seus tipos

As cavernas podem surgir  em muitos tipos de rochas, mas em 90% das vezes são formadas em rochas carbonáticas, esclarece Lino, além de aparecerem também em gesso, sal, bauxita, gnaisse, granito, minério de ferro, dentre outras litologias (tipos de rochas).

Ao contrário da crença popular, as cavernas, em sua maioria, não são formadas pela erosão dos rios. “A maior parte é formada por dissolução, quando a rocha é atacada quimicamente”, principalmente pela água, define. De acordo com o especialista, os movimentos tectônicos criam fraturas nas rochas. Por esses pontos frágeis a água, acrescida de gás carbônico advindo das precipitações e outros ácidos presentes no solo, ao entrar nessas fissuras, ataca quimicamente a rocha, ampliando espaços já formados anteriormente pelo mesmo tipo de processo, o que acaba puxando cada vez mais água da superfície, aumentando o tamanho das cavidades. Várias cavernas são formadas inicialmente no nível do lençol freático e só posteriormente passam a ter uma abertura para a superfície devido a desmoronamento dos tetos. Outros tipos de formação de cavernas acontecem nas zonas costeiras, por abrasão marinha, ou no meio de blocos de granito com o carreamento do solo entre eles.

Algumas características de cavernas

Uma das curiosidades mais fascinantes quando falamos de características das cavernas, na opinião de Lino, é que são um dos raros ambientes do planeta com ausência de luz. “É uma oportunidade para descobrir o que é a treva. Nosso cérebro começa, inclusive, a fabricar imagens pois não consegue acostumar a vista já que não existe nenhum feixe de luz”.

Cavernas também podem ser silenciosas ou não, labirínticas ou não, ventiladas ou não, ter flora ou não (dependendo da presença de luz), mas são consideradas ambientes estáveis, onde mudanças acontecem de forma extremamente lenta. E esta é uma das razões para serem verdadeiros “baús de recordação” da história geológica, climática e da evolução da vida na Terra, inclusive como locais privilegiados para conservação de fósseis da megafauna extinta, e também da maioria dos achados arqueológicos de nossos ancestrais humanos. 

Cavernas no Brasil   

Não é à toa que somos “gigantes pela própria natureza”. O Brasil, de fato, tem cerca de 20.500 cavernas cadastradas, mas de acordo com Lino, a expectativa é que tenhamos mais de 300 mil. “Todo ano descobrimos centenas de cavernas no Brasil”, destaca. “Já fui o primeiro ser humano a pisar em um monte de lugares em certas cavernas. Essa percepção não tem preço”.

Apesar de tamanha riqueza, as cavernas se juntam a outros componentes da natureza como os biomas, ecossistemas, espécies que sofrem ameaças constantes à sua existência e proteção. No caso das cavernas a pressão da mineração, das represas e das rodovias é a mais frequente.

“Quando falamos de caverna não estamos falando de um buraco, mas de um ambiente, de um ecossistema muito particular”. Por isso, proteger uma caverna significa proteger a rocha, seu conteúdo hidrológico, biológico, arqueológico, cultural etc.”, alerta Lino. E completa: “Há um choque no Brasil entre o cronograma de empreendimentos, o cronograma político e o cronograma do conhecimento e estudos sobre uma caverna”. O cronograma dos empreendimentos, e o político não consideram nem aguardam os anos necessários para que se entenda sequer o que pode acontecer com a extinção daquele ecossistema, quando estes tipos de empreendimentos estiverem consumados com a destruição de cavernas importantes.

Clayton teve uma participação histórica na formulação do capítulo da Constituição Federal que definiu as cavernas como bens da União e as manteve protegidas por muitos anos. Um decreto no final dos anos 2000 já havia flexibilizado a proteção destes ambientes com a classificação das cavernas em categorias de relevância, para fins de sua exploração econômica. 

Agora, Lino presencia a aprovação do Decreto Federal no 10.935/22, recém-publicado, que ameaça inclusive as cavernas tidas como grau de relevância máximo. O Decreto fere a Constituição, sobretudo em seu artigo 225, porque desrespeita princípios do direito ambiental, como o Princípio do Desenvolvimento Sustentável, da Prevenção e da Precaução, e foi elaborado sem a participação de instituições científicas, das ONGs, da comunidade espeleológica e ignorou o parecer do órgão técnico especializado em cavernas, o CECAV-ICMBio (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas), instituição do governo federal.

O Decreto falha também na promoção de políticas públicas que protejam o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, a sobrevivência e o bem-estar das gerações futuras, e desconsidera os importantes serviços ecossistêmicos prestados pelas áreas cársticas e suas cavernas, como por exemplo a manutenção da integridade dos sistemas hídricos, o controle de pragas agrícolas, a dispersão de sementes e a polinização de diversas espécies de plantas executadas por morcegos que habitam estes ambientes. 

O Instituto Ekos Brasil reforça a importância da proteção e conservação das cavernas brasileiras e entende que não há incompatibilidade entre a preservação das cavernas e o desenvolvimento econômico.

E agradece a participação de Clayton Ferreira Lino para a elaboração deste conteúdo.

 

[siteorigin_widget class=”categoryPosts\\Widget”][/siteorigin_widget]

Veja também