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Como conectar conhecimentos ancestrais às novas tecnologias de comunicação?

Cibele Lana 11 ago 2022

Uma riqueza cultural imensa é carregada por cada indígena brasileiro. Vivendo no contexto urbano ou em transição entre a cidade e a aldeia, são frequentemente questionados por seus costumes e precisam aprender desde cedo a defender sua cultura entre os povos não-indígenas. 

Em 2022 é necessário que o conhecimento substitua os estereótipos. E nada melhor do que impulsionar esse movimento através de um dos espaços mais frequentados pela sociedade contemporânea: o espaço virtual.  

Para apresentar a importância de utilizar de forma consciente a internet em defesa dos povos indígenas, conversamos com o jovem ativista Cristian Wariu e a doutoranda da Universidade Federal do Amazonas, Romy Cabral, que nos mostraram as facetas dessa defesa cultural.

Juventude indígena nas redes

“Índinho” e “índio” eram termos pejorativos, infelizmente, muito comuns na infância de Cristian. Ser o único garoto indígena em uma escola não-indígena e escutar tantas falácias sobre a sua realidade o fizeram entender que sua própria voz poderia – e deveria – se tornar uma grande ferramenta de defesa.

Cristian Wariu
Créditos: arquivo oficial Cristian Wariu.

Jovem, ativista e estudante de Comunicação da Universidade de Brasília, é membro do povo Xavante, um dos mais de 300 povos indígenas espalhados pelo país. Ele conta que aprendeu a ensinar sobre os aspectos das realidades indígenas ao corpo discente e docente das escolas desde cedo. 

Hoje, Cristian é conhecido por lideranças indígenas como Guerreiro Digital e soma mais de 75 mil seguidores no Instagram, 110 mil no TikTok e quase 42 mil inscritos no canal do YouTube Wari’u, números conquistados por meio de vídeos que ensinam de forma didática conceitos e diferenças culturais entre os povos originários. 

“Eu sou um indígena muito politizado, porque meu pai é uma liderança indígena e desde berço a gente (ele e os irmãos) tinha a plena noção da nossa realidade […], então eu já ia muito preparado para os ambientes de conflito, de chegar e ser, por muitas vezes, o único indígena da escola.”

Cristian Wariu sentado, mexendo em uma câmera fotográfica, com uma criança pequena sentada em seu colo
Crédito: arquivo oficial Cristian Wariu.

E foi a sensibilidade e a naturalidade por narrar e ensinar sua realidade que proporcionou a Wariu um ingresso no mundo da produção de conteúdo digital naturalmente. A curiosidade pela computação foi o primeiro passo para chegar na produção de vídeos para o YouTube, onde cresceu, inscrevendo seus trabalhos em editais e evoluindo nos formatos e roteiros. 

Quando começou, durante a adolescência, ainda não existiam pessoas na internet que fizessem o trabalho que ele havia proposto. Por isso, para o ativista, encontrar hoje uma gama de influenciadores indígenas que produzem conteúdo de qualidade e que estão tomando espaço de influência nos diferentes setores da sociedade a partir da internet, é um aceno positivo para a disseminação da cultura das centenas de povos indígenas e idem para o seu próprio trabalho.

Cristian Wariu
Crédito: arquivo oficial Cristian Wariu.

“É até engraçado pensar que a maioria dos jovens que estão no fronte das redes sociais,

alcançando um público maior do que eu já alcancei, todos eles citam os meus vídeos, ‘ah eu comecei porque eu vi seu vídeo, achei muito interessante’. Ou até diretamente mesmo, produtores de conteúdo hoje tiveram mentoria minha, dada por organizações indígenas.”

A vivência de Cristian Wariu é um exemplo de ocupação dos espaços de conflito. Ele mostra que impulsionar transformações e utilizar das novas tecnologias para ensinar as diferenças culturais e a linguagem correta para se dirigir a cada povo, esse é o caminho para acontecer a conscientização política e social da população brasileira diante da pluralidade cultural indígena.

 

Internet ainda recente

Para Romy Cabral, o contato com os povos indígenas foi diferente. Ela começou a trabalhar ainda jovem com a língua portuguesa, por meio de aulas particulares de apoio pedagógico para pessoas de outros países, como Bulgária, Taiwan e China, mas quando chegou na graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), ela decidiu que atuaria apenas com os povos indígenas.

romy cabral
Créditos: arquivo privado Romy Cabral.

A primeira aldeia com quem ela trabalhou e construiu raízes foi a Kwatá/Borba-Am, do Povo Munduruku. Diferente de Wariu, que transita frequentemente entre o contexto urbano e sua aldeia, os membros da Kwatá iam até a cidade apenas no final do mês, para ir ao banco.

E quando o assunto é comunicação, na época em que Romy começou a trabalhar como professora, a aldeia contava com apenas dois orelhões e o sistema de radiofonia. Este sistema consiste na comunicação  por meio de ondas de rádio e já foi utilizado para ensinar a língua do povo pela voz da matriarca de uma das grandes famílias do local, Ester Caldeira, hoje com cerca de 105 anos de idade. 

“Quando houve o desligamento dos telefones e eu parei de frequentar a aldeia, eles buscaram manter contato comigo”, recordou a professora. O contato era possível via telefone das cidades mais próximas, sempre na última semana mensal. Então, quando chegava o período, ela recebia a já habitual ligação para saber as novidades e saudar as amizades, no entanto, um dia, isso mudou, quando em meados de 2010 ela recebeu uma mensagem de um membro da aldeia através de uma rede social – e nem era final do mês. 

Ela conta que a surpresa maior foi descobrir que a mensagem veio direto da aldeia, consagrando a chegada da internet onde nem mesmo o sinal de telefone funcionava. 

“Até a década de 1980 havia uma buzina que avisava a aldeia em momentos importantes, como as assembléias. Essa prática acabou porque a pessoa encarregada de tocar a buzina faleceu. Depois que o orelhão foi desligado, quando a internet chega à aldeia, a escola se torna um acesso a este espaço virtual e dá início ao processo de inserção do povo nas redes sociais.”

celebração do povo indígena munduruku
Registro da aldeia Kwatá durante o Festival de Cultura Munduruku, em 2019. Crédito: arquivo pivado de Romy Cabral.

Em 2018 ela retorna à aldeia para recolher informações para sua tese de doutorado de tema “Territórios Virtuais: Munduruku no ciberespaço, um estudo de caso a partir da Aldeia Kwatá/Borba-Am” e identificou que o número de pessoas com acesso à internet cresceu.

Através das redes, os indígenas mantêm contatos, fortalecem a cultura indígena, mostram a sala de aula e sua rotina na aldeia. No entanto, por algumas experiências fracassadas, os habitantes já enxergam o ciberespaço como um lugar de exposição e não de diálogo

De acordo com a doutoranda, notam que é preciso cautela para que seus hábitos sejam compreendidos por seus valores e não sejam alvo de violência dos povos não-indígenas devido a ausência de valorização da cultura. 

Cristin Wariu e Romy Cabral nos mostram que as novas tecnologias são e devem ser utilizadas como forma de disseminação da cultura indígena. Como? Primeiramente através do empenho para que os povos indígenas tenham o acesso para tal, que tenham uma educação digital e comunicacional e, claro, pela educação de toda a população brasileira, para que o respeito às riquezas culturais seja preservado. 

Na semana em que celebramos o Dia Internacional dos Povos Indígenas, o Instituto Ekos Brasil se sente feliz em ceder um espaço de fala para a comunidade indígena, representados aqui por um jovem e por uma professora pesquisadora. 

Acesse os conteúdos do Cristian nas redes sociais:  

TikTok e Instagram: @cristianwariu  

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