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Desde 1995, a COP reúne 197 países e a União Europeia, ou seja, 198 partes, com o objetivo de negociar compromissos conjuntos (e em consenso) para mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
E negociar é uma palavra importante. Ainda que a COP seja mais popularmente conhecida como um “evento” que acontece a cada ano em um local diferente, em sua essência, uma Conferência das Partes das Nações Unidas é um ambiente de negociação entre as signatárias. Essas negociações são acompanhadas de perto por observadores como agências da ONU, organizações não governamentais, representantes do setor privado, ambientalistas, cientistas e povos tradicionais.
No entanto, cabe ressaltar que, embora a agenda de negociações de uma COP seja sempre global, afinal, a Mudança do Clima é um desafio de todo o planeta, é na esfera local que grande parte das soluções se concretiza. Um dado importante publicado pelo ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade, mostra que 70% das emissões globais de gases de efeito estufa se concentra nas cidades e é nesses centros urbanos que precisam nascer as soluções mais eficazes. No entanto, apenas 27% dos planos climáticos nacionais (as chamadas NDCs — Contribuições Nacionalmente Determinadas) trazem forte conteúdo urbano.
A lacuna entre as metas globais e a ação local foi tema central do evento paralelo “COP30 Urbana e Além: ação multinível e urbanização sustentável para cumprir o Acordo de Paris”, realizado durante as negociações climáticas de Bonn (SB62) em junho deste ano.
Este evento, que é parte do percurso das negociações até a COP30, destacou a importância da articulação entre governos locais e nacionais na implementação de políticas climáticas eficazes. Antonio da Costa e Silva, Assessor Internacional Chefe do Ministério das Cidades, esteve presente e afirmou que a NDC atualizada do Brasil já reflete uma abordagem mais multinível, com a escuta de vozes dos 5.570 municípios e 27 estados.

Outros países também avançam nessa direção. No Panamá, o “Compromisso com a Natureza” articula ações climáticas de forma simples e holística, incluindo contribuições de cada comunidade e município. Ruanda promove consultas nacionais, com apoio do ICLEI, para alinhar sua resposta climática ao planejamento de desenvolvimento.
No Brasil, também temos alguns exemplos de cidades que demonstram ser possível liderar ações climáticas locais de maneira estratégica e estruturada, apesar de apenas 13 capitais e o Distrito Federal possuírem Planos de Ação Climática.
Recife, por exemplo, elabora desde 2015 inventários de emissões de GEE que servem como base para estratégias de mitigação da Mudança Climática. Esse histórico fez com que a capital lançasse, ainda em 2020, o Plano Local de Ação Climática. Curitiba tem mais de 1000 Unidades de Conservação Municipais e historicamente integra soluções sustentáveis de mobilidade urbana. Já Campo Grande já foi reconhecida seis vezes como Tree City of the World pela FAO e pela Arbor Day Foundation e, de acordo com o IBGE (2022) é a cidade mais arborizada do Brasil. A capital mato-grossense é um dos destaques entre as cidades que participam do Plano Nacional de Arborização Urbana.
São Paulo, Campinas, Contagem, dentre outras, investem em Soluções Baseadas na Natureza como jardins de chuva e corredores ecológicos.
Como vimos, o enfrentamento à Mudança do Clima depende, sim, de grandes acordos internacionais, mas é no território que esses compromissos ganham forma e impacto. Quando governos locais, nacionais, setor privado e sociedade civil trabalham juntos, os resultados são mais ambiciosos, mais realistas e mais propensos a gerar transformações efetivas.
E a COP 30, que acontecerá em Belém em 2025, será mais uma oportunidade de reconhecer e ampliar o protagonismo das ações locais na construção de um futuro climático mais justo e sustentável.
Ecossistemas costeiros são gigantes do sequestro de carbono, armazenando até dez vezes mais carbono por unidade de área do que florestas terrestres.
Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO), o Brasil é responsável pela proteção de 7,4% da área de manguezais do mundo, com um total de 1,4 milhão de hectares de manguezais ao longo da faixa costeira, dos quais cerca de 90% são protegidos por 120 unidades de conservação.
Diante desse cenário, não à toa nosso país apresenta um potencial estratégico para os chamados projetos de carbono azul, ou Blue Carbon, que envolvem a conservação e restauração de ecossistemas costeiros como manguezais, pradarias marinhas e marismas salinas com foco na mitigação das mudanças climáticas.
Além de capturar carbono, esses projetos promovem a proteção da biodiversidade, fortalecem a resiliência costeira contra erosão e eventos climáticos extremos e geram impactos sociais positivos, como oportunidades de trabalho e renda para comunidades tradicionais e costeiras.
Nos últimos anos, o mercado voluntário de créditos de carbono azul tem ganhado fôlego no Brasil. Agora, com o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) em fase de implementação, crescem iniciativas potenciais para atrair investimentos nacionais e internacionais.

Apesar do grande potencial, a implementação de projetos Blue Carbon no Brasil enfrenta desafios significativos.
O Atlas dos Manguezais do Brasil destaca, por exemplo, que 25% do ecossistema de manguezais já pode ter se perdido devido, principalmente, ao cultivo de camarões em cativeiro para fins comerciais (carcinicultura), além de outras práticas que utilizam essas áreas para atividades inadequadas.
Ao contrário das florestas amazônicas, a pressão de desmatamento em manguezais pode ser menor ou menos documentada, dificultando a comprovação da adicionalidade, requisito essencial para projetos de carbono que buscam gerar créditos..
O mercado brasileiro também carece de regulamentações claras, metodologias padronizadas e incentivos econômicos que impulsionem projetos Blue Carbon. Há também os desafios técnicos e científicos de monitoramento dos projetos para comprovação da integridade e o foco histórico em projetos florestais. Outro ponto crítico é o engajamento das comunidades locais, fundamental para o sucesso dos projetos, mas que exige tempo e articulação social.
Mais um entrave está nas metodologias complexas para medir e certificar o carbono armazenado em manguezais e outros ecossistemas costeiros. A falta de padrões rigorosos e confiáveis para avaliação e verificação dos créditos é um problema global, que também afeta o Brasil, gerando ceticismo e dificultando o acesso a financiamentos e investidores.
Mesmo assim, o Brasil está em uma posição privilegiada para liderar a agenda global de blue carbon, dada a extensão e relevância de nossos ecossistemas costeiros. Com avanços regulatórios recentes e crescente interesse do mercado voluntário de carbono, há oportunidades reais para superar os desafios e consolidar projetos que integrem conservação ambiental, desenvolvimento econômico e justiça social.
Um estudo da ONG Guardiões do Mar, intitulado “Oceano sem Mistérios: carbono azul dos manguezais” estima o potencial financeiro de R$ 49 bilhões em crédito de carbono com projetos Blue Carbon.
Em uma tentativa de reforçar a importância desses ecossistemas, o Governo Federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, instituiu em 2024 o Programa Nacional de Conservação e Uso Sustentável dos Manguezais do Brasil (ProManguezal), que define diretrizes e ações para conservar, recuperar e promover o uso sustentável desses ecossistemas costeiros, reconhecendo sua importância para captura de carbono e para as comunidades tradicionais que deles dependem.
O ProManguezal é um passo importante para superar barreiras, mas ainda é necessário avançar em sua implementação integrada para que os projetos de carbono azul possam se desenvolver efetivamente no país.
Nota adicional
A Verra, uma das principais certificadoras de créditos de carbono, mantém um portfólio de metodologias que incluem abordagens para ecossistemas costeiros e manguezais que são a base do carbono azul. A organização também tem incentivado o uso de metodologias digitalizadas para facilitar a geração e verificação de créditos de carbono, o que inclui projetos relacionados ao carbono azul.
Referências:
https://www.gov.br/icmbio/pt-br/centrais-de-conteudo/atlas-dos-manguezais-do-brasil-pdf
https://obsinterclima.eco.br/wp-content/uploads/2024/04/Caderno-09-2024.pdf
Por Elizabeth Oliveira, publicado originalmente em ((o))eco, em 16 de julho de 2025.
Em mais de duas décadas, a implementação dessa legislação ambiental passa por desafios, mas seu legado de proteção da natureza e dos modos de vida tradicionais é inegável
“Mais do que nunca há motivo para comemorar sim”, afirma a engenheira agrônoma Maria Cecília Wey de Brito, diretora de Relações Institucionais do Instituto Ekos Brasil, em entrevista ao ((o))eco. Como ambientalista e especialista de longa trajetória, ela participou ativamente da construção da Lei 9.985 que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), em 18 de julho de 2000, e, nesta quarta-feira (16), integrou as atividades oficiais de celebração, promovidas pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). Em conversa com a reportagem, na véspera do evento, destacou que esse arcabouço legal de importância central para a proteção da biodiversidade e modos de vida tradicionais do país levou mais de dez anos em debates que agregaram uma diversidade de vozes e visões. Defendeu, ainda, que apesar de todas as limitações que têm impactado o seu processo de implementação, a força do legado do SNUC é inegável.
Maria Cecília Wey de Brito. Vale a pena comemorar muito esse marco. Apesar das inúmeras dificuldades enfrentadas para a sua implementação e das críticas sofridas devido a essas e outras questões, a lei se manteve intacta durante todo esse tempo.
Para além da importância da proteção da biodiversidade, com avanços alcançados em termos de ampliação de ambientes legalmente protegidos, o SNUC conseguiu fortalecer a participação social no processo de instituição e gestão de unidades de conservação. Essa conquista tem garantido uma diversidade de vozes que vai de técnicos e ambientalistas às populações tradicionais e outros segmentos. Embora os territórios tradicionais sejam espaços de resistência historicamente, se não fosse pelas garantias asseguradas por essa lei, em função de inúmeras pressões, certamente, muitas populações que hoje habitam as UCs no país já teriam sido empurradas para as periferias das cidades.
Participando de várias reuniões e debates na época de construção dessa lei, eu me lembro que existia sim essa divisão de percepções. Era forte ainda o olhar mais direcionado à proteção das paisagens, da vegetação e de outros elementos naturais. No entanto, muitos avanços foram alcançados em termos de conciliação devido às batalhas que foram travadas por Chico Mendes e outras lideranças. Essas personalidades do movimento socioambientalista, incluindo a atual ministra Marina Silva, perceberam a importância de assegurar a presença das populações tradicionais em territórios protegidos legalmente, onde suas culturas pudessem se manter. Houve muita luta política para defender a ideia de que essas populações protegem a natureza com seus modos de vida. Dessa forma, os deputados federais Fabio Feldman e Fernando Gabeira, que foram relatores do SNUC, conseguiram acomodar debates internos e depois externos, ao incluir como categorias inovadoras as Reservas Extrativistas (Resex) e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) na proposta de lei do SNUC.
Os embates devem continuar existindo para o afrouxamento da legislação ambiental, considerando o Congresso como está hoje e o que devemos ter após as próximas eleições. Além disso, temos visto muita resistência dos governos estaduais em relação às Unidades de Conservação. Mas precisamos refletir que o SNUC é uma lei que regulamenta diretrizes da Constituição que obrigam todos os entes [federais, estaduais e municipais] a criarem áreas protegidas. Não se pode parar processos quando os governos não querem. Independentemente de posição política, é preciso desconstruir essa ideia de muitos que seguem contrários à proteção da natureza e dos modos de vida de populações tradicionais.
Sim, eu me sinto otimista. Principalmente, por ter observado e participado de grandes transformações no país ao longo desse tempo. Melhorou muito a capacidade de atuação da sociedade civil brasileira em defesa das lutas coletivas, incluindo as agendas socioambientais. Temos muita construção e um legado enorme. Temos condições de fazer cada vez melhores escolhas diante de disputas que continuarão existindo. Recursos financeiros nunca tivemos o suficiente, mas se houver, certamente daremos um salto, considerando tudo o que já fizemos até aqui, mesmo diante de tantas limitações.
Eu considero que o governo pode e deve trabalhar mais em parceria com a sociedade, valorizando essa alternativa como solução possível. No Instituto Ekos temos exemplos de parcerias muito bem-sucedidas. Uma delas é um Acordo de Cooperação com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para apoio à gestão do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu (MG) e da APA de mesmo nome, com área sobreposta a essa UC. O Parque abriga o Cânion do Peruaçu, recentemente reconhecido como Patrimônio Natural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Com essa unidade de conservação, desenvolvemos um trabalho com excelentes resultados há mais de 20 anos, quase o mesmo tempo de existência do SNUC. Também temos um Termo de Parceria estabelecido com o Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais para fortalecimento da gestão do Parque Estadual do Rio Doce [UC afetada pelo desastre ambiental provocado, em 2015, pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), empreendimento operado pela Samarco].
Pouco depois do reconhecimento oficial do Cânion do Peruaçu, localizado no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu como Patrimônio Mundial Natural pela Unesco, o time do Instituto Ekos Brasil ainda está cheio de emoção e quase sem acreditar na grandeza desse acontecimento!
É que para nós essa conquista tem um gostinho para lá de especial e não à toa teve gente da equipe que pulou e gritou em frente à tv na hora do anúncio como se fosse final de Copa do Mundo.
Afinal, desde 2017 apoiamos o Parna Peruaçu em um modelo pioneiro de parceria público-privada. Junto ao ICMBio, gestor da Unidade, assinamos em 2017 um Acordo de Cooperação para apoiar e desenvolver atividades de gestão, conservação e uso público do parque, ampliamos o escopo em 2022 e, em 2023, assinamos um novo Acordo de Cooperação, abrangendo também o território da APA Cavernas do Peruaçu
Apesar do nosso 1º acordo com o ICMBio ter sido firmado em 2017, atuamos no Parque desde 2003, quando fizemos os estudos de elaboração do plano de manejo e, na sequência, o acompanhamento técnico da implementação de infraestrutura e uso público do parque. Essa relação de mais de 20 anos nos fez celebrar (e muito) a conquista do reconhecimento pela Unesco. Isso porque, mais do que ninguém, sabemos que para além de toda a riqueza de sua biodiversidade, de suas paisagens, cavernas e arqueologia, sabemos o quanto a comunidade que vive com e pelo Peruaçu merece essa conquista.

“Em todos esses anos, o que encontramos foi um povo do bem, cheio de gente acolhedora, batalhadora, que faz a gente se sentir em casa. Um povo que exalta a cultura sertaneja, o saber popular e o conhecimento tradicional. Tenho realmente muito orgulho do time que juntamos para apoiar o ICMBio na gestão e manutenção do Peruaçu”, destacou Jéssica Fernandes, coordenadora do Programa Peruaçu.
Com o reconhecimento da Unesco, o Instituto Ekos Brasil espera que as comunidades que apoiam a perpetuação das áreas protegidas do Peruaçu sejam ainda mais beneficiadas pelo desenvolvimento do turismo comunitário sustentável e, claro, pela manutenção dos serviços ecossistêmicos que a natureza generosamente oferece a todas as pessoas.
A parceria entre Ekos Brasil e ICMBio no Parna e APA Peruaçu vem sendo considerada um modelo de sucesso internacional de conservação da biodiversidade. Ao lado de profissionais competentes e apaixonados pela sua região e de toda a comunidade, atuamos em seis frentes de ação: apoio à gestão do parque e da APA, iniciativas de apoio à ciência, promoção de negócios socioambientais, ações de educação ambiental e valorização da natureza e história da região, e o fortalecimento da governança.
Para fazer isso tudo acontecer, criamos o Programa Peruaçu, que arrecada contribuições financeiras de empresas, organizações governamentais e não governamentais nacionais e internacionais e de pessoas físicas e as direciona aos projetos e atividades demandadas pelo Plano de Trabalho.
Toda verba arrecadada pelo Programa Peruaçu é destinada a apoiar atividades das quais a gestão do parque não tem recursos ou obrigação em investir, mas que são importantes para a continuidade .
O Programa Peruaçu não substitui os recursos advindos do governo federal, e tem como principal objetivo apoiar ou acelerar a execução de atividades consideradas prioritárias.
Todos os recursos captados pelo Instituto Ekos são integralmente repassados ao ICMBio na forma de produtos, materiais e projetos, portanto, não há repasse de dinheiro entre as instituições.
Em decisão unânime durante a 47ª sessão do Comitê do Patrimônio Mundial, em Paris, os Cânions do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu foi reconhecido como Patrimônio Mundial Natural.
Em entrevista exclusiva ao Ekos Brasil, Bernardo Issa, coordenador-geral de Gestão do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, explicou que todo patrimônio que se candidata à lista da UNESCO precisa comprovar seu Valor Excepcional Universal. Isso significa que deve ter um significado cultural e/ou natural que transcenda as fronteiras nacionais e tenha relevância para as gerações presentes e futuras da humanidade.
Issa detalhou que o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu foi inscrito em dois dos quatro critérios exigidos pela UNESCO para Patrimônios Naturais: o critério VII e o VIII.
A beleza do Peruaçu dispensa comentários. A caverna do Janelão possui largura e altura superiores a 100 metros, o que permite a entrada de luz solar e o desenvolvimento de vegetação em suas vastas câmaras. Na dolina dos Macacos, encontra-se a maior estalactite do mundo, a “Perna da Bailarina”, com cerca de 28 metros de comprimento. Além disso, são quase 500 cavidades catalogadas e mais de 114 sítios arqueológicos que registram ocupações humanas datadas de mais de 12.000 anos A.P., muitos com arte rupestre em excelente estado de preservação. Tudo isso em uma zona de transição ecológica entre os biomas do Cerrado e da Caatinga, com bolsões de Mata Atlântica.
Parabéns, Parna Peruaçu! Temos muito orgulho de compartilhar essa conquista com o seu povo!
A mais recente edição do Relatório Anual do Fogo (RAF) aponta que 45% do Cerrado foi queimado pelo menos uma vez em 40 anos, sendo 43% da área queimada nacional. O bioma ainda tem a maior média nacional de área queimada – 9,6 Mha queimados todos os anos, com extensas áreas atingidas inclusive dentro de Unidades de Conservação.
De acordo com Vera Arruda, coordenadora técnica do MapBiomas Fogo em entrevista ao site do próprio MapBiomas, o que os pesquisadores têm observado é que a incidência de incêndios têm sido maior no período da seca, em razão, principalmente, de atividades humanas e agravada pelas mudanças climáticas.
“Um dado especialmente preocupante é o avanço do fogo sobre as formações florestais no Cerrado, que em 2024 atingiram a maior extensão queimada dos últimos sete anos — uma mudança na dinâmica do fogo que ameaça de forma crescente a biodiversidade e a resiliência desse bioma” , comentou Arruda.
É dentro deste contexto preocupante que o Instituto Ekos Brasil inicia um projeto com diversas ações de prevenção ao fogo na região do Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu, no Cerrado mineiro.
Intitulado Conhecer e Prevenir: estruturação para um Manejo Integrado do fogo mais efetivo, a iniciativa terá atuação em duas novas Unidades de Conservação: O Parque Estadual Veredas do Peruaçu de Proteção Integral e a Reserva Estadual de Desenvolvimento Sustentável Veredas do Acari, além da atuação no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu e a Área de Proteção Ambiental Cavernas do Peruaçu.
Durante 18 meses, o Ekos Brasil irá implementar ações de prevenção ao fogo nas comunidades pertencentes aos territórios, em conjunto com as equipes gestoras das UCs seguindo as diretrizes da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (LEI Nº 14.944, DE 31 DE JULHO DE 2024).
“Olhando para estes dados e compreendendo o impacto do fogo em áreas de vegetação nativa iniciamos este projeto ainda mais comprometidos em seguir fortalecendo o território, a biodiversidade e a comunidade. Um novo desafio frente à uma antiga ameaça.”
ressaltou Francieli Kaiser, coordenadora de projetos de conservação da biodiversidade do Instituto Ekos Brasil.
A iniciativa acontece em parceria com o Programa Copaíbas do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio).
Fonte: Projeto MapBiomas – Mapeamento das áreas queimadas no Brasil entre 1985 – 2024 – Coleção 4, acessado em 1º de julho de 2025 através do link: https://brasil.mapbiomas.org/wp-content/uploads/sites/4/2025/06/RAF2024_24.06.2025_v2.pdf
Recentemente, a ONG SOS Mata Atlântica divulgou seus dados anuais sobre o desmatamento do bioma. Chamou a atenção uma redução de 27% no desmatamento em comparação com os dados do ano anterior. Uma ótima notícia para quem procura conservar o bioma mais desmatado do país, do qual restam apenas 24% da cobertura original.

É estimado que existam mais de 1.300 fragmentos de Mata Atlântica com mais de 1.000 hectares e que a maioria dos remanescentes tenha menos de 50 hectares. Essa enorme fragmentação é um problema para a manutenção saudável da floresta. Sem conectividade adequada entre os fragmentos, muitos processos ecológicos são perdidos e a manutenção de espécies é significativamente prejudicada.
Como imaginar uma onça-pintada por exemplo vivendo em uma região com pequenos fragmentos de floresta cercado de pastos, ou canaviais ou casas de veraneio?
Da parte da iniciativa pública, a criação das várias Unidades de Conservação (UCs) para proteção de extensões maiores de vegetação nativa é muito importante. No caso da Mata Atlântica, alguns proprietários conservam a vegetação em suas propriedades e vários vêm constituindo Reservas Particulares do Patrimônio Natural ou outros tipos de Reservas que não fazem parte do Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
Dos 24% remanescentes do bioma Mata Atlântica, estima-se que 80% estejam em propriedades privadas. Vemos aí a importância de iniciativas de conservação por entes privados para a conservação desse patrimônio nacional.
Um exemplo a ser comemorado é o da Reserva Pinho Bravo, uma área linda e de grande extensão na Serra da Mantiqueira, situada entre os municípios de Campos do Jordão e São Bento do Sapucaí, em São Paulo. No interior dessa reserva particular existem vários tipos de paisagens — como florestas, campos de altitude, matas de araucárias, entre outros. A Reserva ajuda a conservar a vegetação nativa e a manter a conexão entre áreas protegidas próximas, como o Monumento Estadual da Pedra do Baú e o Parque Estadual Campos do Jordão. Na Reserva Pinho Bravo também estão sendo realizadas diversas pesquisas científicas e atividades de turismo sustentável, que ajudam a movimentar a economia local de forma responsável.


Um estudo ainda em andamento pelo Instituto Ekos Brasil em parceria com a Geonoma Consultoria Ambiental observou que quase dois terços da Reserva são cobertos por matas nativas em diferentes estágios de regeneração e que 80% da área é ocupada por formações nativas, ou seja, florestas (70%) e campos (10%). Muitas das espécies de plantas identificadas podem existir apenas nessa Reserva, pois ainda não foram registradas nas Unidades de Conservação ao redor. Isso indica que a flora dessas áreas ainda não foi completamente estudada — ou que a Reserva Pinho Bravo realmente protege espécies que desapareceram dessas áreas. Inclusive, há potencial para encontrar espécies raras, exclusivas da região, ou até mesmo novas para a ciência, principalmente nos chamados Campos de Altitude, que ficam em altitudes elevadas e têm vegetação bem característica, com alto grau de exclusividade e que estão protegidas na Reserva.
Por estar localizada em uma área muito específica da Mata Atlântica, em uma das partes mais altas da região, pode-se dizer que a Reserva Pinho Bravo tem um papel muito importante dentro da rede de áreas protegidas da Serra da Mantiqueira, contribuindo para manter a variedade de ecossistemas e aumentando a capacidade da natureza de se adaptar a mudanças, inclusive mudanças climáticas.


Enquanto celebramos a iniciativa da criação da Reserva Pinho Bravo que se mostra aderente à realidade e olha responsavelmente para as crises climáticas e de perda da biodiversidade, fazendo parte da solução dos dois maiores desafios de nossos tempos, o Senado aprovou o PL 364/2019 que flexibiliza a legislação ambiental. O PL enfraquece especialmente a conservação dos ambientes não florestados, como os Campos de Altitude que fazem parte da Mata Atlântica, patrimônio nacional. Esses campos são ecossistemas raros, muito especializados e sensíveis, então precisam de proteção urgente.
O Instituto Ekos almeja que, no futuro, possamos falar de mais exemplos como o da Reserva Pinho Bravo, que merecerão um lugar muito mais valorizado em nossa história.
Neste 22 de maio, Dia Internacional da Biodiversidade, o Instituto Ekos Brasil marca a consolidação de uma importante iniciativa no Parque Estadual do Rio Doce (PERD): a implantação do Protocolo de Monitoramento da Biodiversidade com base no modelo do Programa Monitora do ICMBio. O PERD torna-se, assim, a primeira unidade de conservação estadual de Minas Gerais a adotar oficialmente o protocolo básico do componente florestal do programa.
O Programa Monitora é a estratégia institucional do ICMBio para o monitoramento da biodiversidade em unidades de conservação federais. Estruturado a partir de protocolos padronizados e com base em séries temporais, o programa busca subsidiar a gestão com dados consistentes sobre o estado e a dinâmica da biodiversidade. O Protocolo Básico do Componente Florestal, utilizado no PERD, define metodologias específicas para o levantamento de diferentes grupos biológicos, em específico mamíferos e aves, plantas e borboletas frugívoras.
A implantação do protocolo no PERD é um dos produtos previstos no Termo de Parceria nº 51/2021, celebrado entre o Instituto Ekos Brasil e o Instituto Estadual de Florestas (IEF). A inclusão da atividade decorreu da identificação conjunta das instituições parceiras sobre a necessidade de estabelecer um programa de monitoramento da biodiversidade com base técnica, operado com recursos e equipe locais e que será realizado sistematicamente, de forma a que os dados coletados possam dar a dimensão da eficácia das ações de gestão da unidade.




Desde então, foram conduzidas ações de planejamento técnico, elaboração de plano de trabalho e pré-projeto experimental, definição de áreas prioritárias, instalação de estações amostrais e implementação das atividades de campo conforme os critérios estabelecidos pelo Programa Monitora. Um destaque do processo foi a capacitação da equipe da UC em curso ministrado por instrutores do ICMBio no PERD em março deste ano.
A curadoria e validação dos dados estão sendo realizadas com apoio técnico do ICMBio. Com o monitoramento anual, o Parque poderá conduzir suas ações de manejo com dados técnicos qualificados.
A implantação do Protocolo de Monitoramento da Biodiversidade no PERD representa um marco institucional fruto da parceria entre o Instituto Ekos e IEF. Essa experiência servirá de exemplo ao Governo de Minas Gerais para alinhar o monitoramento da biodiversidade de suas UCs às melhores práticas estabelecidas nacionalmente.
Para saber mais sobre o Programa Monitora do ICMBio, acesse:
Em janeiro de 2025, o Instituto Ekos Brasil deu início ao projeto Floresta Viva: uma iniciativa voltada à restauração ecológica de biomas brasileiros, que contemplou 12 instituições brasileiras no âmbito do Edital Corredores de Biodiversidade, sob gestão do FUNBIO (Fundo Brasileiro para a Biodiversidade) e com recursos do Fundo Socioambiental do BNDES e da Petrobras.
Para o Ekos Brasil, o projeto tem como objetivo restaurar 200 hectares do bioma Cerrado no Vale do Peruaçu, localizado no norte de Minas Gerais, além de fortalecer a cadeia produtiva da restauração no território, em um processo participativo, que envolve capacitações e apoio às pequenas propriedades locais na implementação de Sistemas Agroflorestais (SAFs). O Floresta Viva conta com a coordenação de Fabiana Bonani, do Ekos Brasil.
A região do Vale Peruaçu abriga um dos mais importantes remanescentes de Cerrado da Bacia do Rio São Francisco, onde estão localizadas as três Unidades de Conservação foco deste projeto: o Parque Estadual Veredas do Peruaçu, o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu e a Área de Proteção Ambiental (APA) Federal Cavernas do Peruaçu, situadas nos municípios de Januária, Itacarambi, São João das Missões, Bonito de Minas e Cônego Marinho.



As ações de capacitação e a educação ambiental fortalecem a cadeia produtiva local da restauração e ampliam o repertório técnico das populações, valorizando saberes tradicionais e promovendo o desenvolvimento econômico sustentável.
Além disso, a implantação de 20 hectares de SAFs e a participação ativa das comunidades em todas as etapas, fomenta a geração de emprego e renda, contribuindo significativamente para a segurança alimentar, criando um ciclo virtuoso em que o bem-estar socioeconômico está diretamente ligado à conservação da natureza.
Esse modelo fortalece a resiliência climática, assegura serviços ecossistêmicos como a melhoria da disponibilidade hídrica e a redução de dióxido de carbono, ao mesmo tempo em que contribui para a valorização cultural e para a melhoria da qualidade de vida nas comunidades envolvidas.
O projeto conta com uma rede de parceiros fundamentais nessa jornada de 4 anos: Atlas Florestal, a frente da restauração dos 200 hectares; Núcleo do Pequi, agregando conhecimento e vivências sobre a cadeia produtiva; Instituto Sertão Veredas, atuando na comunicação social do projeto e na mobilização dos atores locais; Instituto Federal de Januária, colaborando com seus conhecimentos técnico-científicos relacionados à restauração; e Rede de Sementes do Cerrado, apoiando a capacitação do público-alvo; além das Prefeituras locais, do Instituto Estadual de Florestas (IEF), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

O Instituto Ekos Brasil reafirma o compromisso com a conservação ambiental e a regeneração do ecossistema global. A restauração do Cerrado no Vale do Peruaçu é um passo fundamental para garantir a proteção desse bioma tão essencial para o equilíbrio ecológico e para as comunidades locais.
Acompanhe os desdobramentos desse trabalho em nosso site e mídias sociais.
A Bacia do Rio Doce vem atravessando um longo processo de reparação e mitigação dos impactos sobre sua fauna aquática desde o rompimento da Barragem de rejeitos de Fundão, em Mariana, Minas Gerais. Com uma rica diversidade, a Bacia tem 98% de sua área inserida no bioma da Mata Atlântica, um dos mais importantes e ameaçados do mundo, e os 2% restantes no Cerrado.
Para endereçar o desafio de recompor a Bacia, a Fundação Renova (em liquidação), junto ao Grupo de Apoio Técnico (formado por órgãos públicos federais e estaduais, universidades), elaborou em 2021 um Plano de Ação para Recuperação e Conservação da Fauna Aquática da Bacia Hidrográfica do rio Doce (PABA), com o intuito de buscar soluções para conservar e/ou recuperar ambientes aquáticos, com o foco nas espécies de peixes e da macrofauna invertebrada ameaçadas de extinção.

Foi neste contexto que o Instituto Ekos Brasil colaborou em um projeto com a Fundação Renova (em liquidação) para fazer uma análise do conhecimento até então existente sobre as espécies ameaçadas de extinção da Bacia.
Valéria Saracura, Relação Institucional e Articulação da equipe de especialistas formada para o projeto explica que, a partir das metas do PABA, o trabalho do Ekos Brasil consistiu em três objetivos específicos.
Esses objetivos compreendiam conhecer o estado da arte dos programas de monitoramento de peixes e de macroinvertebrados aquáticos na Bacia do Rio Doce, conhecer as percepções das partes interessadas como universidades, gestores públicos, ONGs, empreendedores, etc, e propiciar discussões participativas junto à essas partes para integrar conhecimento e tais percepções.
“O resultado foi um produto no qual o Ekos Brasil apresentou recomendações e soluções para implementação de um sistema integrado de banco de dados para que o conhecimento levantado durante o estudo esteja disponível e que as pessoas possam utilizar com o fim de sugerir ou desenvolver ações de recuperação e/ou manutenção da bacia”
comentou Saracura.
Para cumprir o primeiro objetivo de levantar todo o conhecimento disponível sobre programas de monitoramento da fauna de peixes e de macroinvertebrados aquáticos na Bacia, a equipe enfrentou muitos desafios, pois não havia precedentes de um trabalho assim. “Construímos metodologias e procedimentos para atingir objetivo por objetivo. Foi preciso buscar bancos de dados em plataformas. E percebemos que há uma complexa governança dessas informações, já que são tipos de monitoramentos diferentes. Mas, ao final, conseguimos atingir nossas metas”, relembra.
O projeto, então, seguiu para a segunda etapa que envolvia a participação das partes interessadas na recuperação e conservação da fauna aquática da Bacia. Por meio de um questionário enviado por email para mais de 170 contatos e publicado em redes sociais, a equipe do projeto alcançou 60 respostas válidas, identificando quatro tipos de agentes interessados: gestores públicos, empreendedores (empresas), consultores e universidades.
“Chegou a hora, então, de integrar conhecimento e percepções propiciando discussões participativas, de acordo com nosso terceiro objetivo. E mais uma vez, obtivemos sucesso. Realizamos dois seminários mistos (virtual e presencial), um em Lagoa Santa, em Minas Gerais, com 40 representantes de pelo menos 15 instituições e outro em Vitória, no Espírito Santo, com 29 representantes de 10 instituições”
completou Saracura.
Com os três objetivos atingidos, o Ekos Brasil pôde elaborar uma série de recomendações para vencer os desafios técnicos, político-institucionais e normativo-regulatórios de integração das informações disponíveis para oferecer aos gestores públicos estas valiosas informações de modo a subsidiá-los na tomada de decisão para a reparação e a conservação da fauna aquática do Rio Doce.
Apenas para citar alguns exemplos, dentre as recomendações apresentadas estão a proposta de realizar ações de advocacy para sensibilizar a importância de pautar temas afetos a integração de banco de dados da biota aquática do rio Doce; a necessidade de pautar e aprovar, no âmbito de organismos legisladores e/ou normatizadores, normas que definam as responsabilidades dos órgãos licenciadores quanto ao manejo dos dados produzidos; e a sugestão de padronização de dados e formatos específicos a serem alimentados em bases específicas para que sejam passíveis de integração, por exemplo adotando o formato Darwin Core.
“Certamente este foi um projeto único e muito inovador por não ter precedentes. A situação é muito desafiadora pois o conhecimento sobre a fauna de peixe e macrofauna invertebrada aquática é bem pouco e quase não há informações sobre as espécies ameaçadas. Fomos amadurecendo ao longo do projeto, uma vez que para cada objetivo desenvolvemos e customizamos procedimentos específicos para otimizar os resultados. E assim, entregamos produtos que podem servir de exemplo para outras bacias”,
completou Saracura.
As recomendações já foram apresentadas à Fundação Renova (em liquidação) e às partes interessadas consultadas durante o projeto.

Para o Dia Mundial da Água, trazemos uma entrevista com o professor Ricardo Hirata, professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Projeto SACRE | Soluções integradas de água para cidades resilientes. O professor explica os desafios da gestão de águas subterrâneas no Brasil e o problema crônico com poços irregulares. E ainda comenta o recente artigo científico sobre a superexploração das águas subterrâneas e o comprometimento da vazão dos rios que ganhou a mídia com um título duvidoso.
Confira a entrevista.

As águas subterrâneas ainda são uma grande desconhecida da sociedade, mesmo daqueles que têm a responsabilidade pela gestão dos recursos hídricos. É um problema mundial a tal ponto que a Unesco declarou, em 2022, o ano da água subterrânea com o mote: “tornar visível o invisível”.
Esse desconhecimento não somente traz problemas, como o da superexplotação – quando se extrai mais do que a capacidade de recarga, mas também acoberta as oportunidades que estas águas subterrâneas podem oferecer para a sociedade, para a economia e para o ambiente, sobretudo em um mundo sofrendo por problemas causados pela falta de água de qualidade e de baixo custo.
Um dos principais serviços ecológicos que os aquíferos nos oferecem é a manutenção da água em rios e em áreas úmidas, como pântanos e mangues. Dados da própria Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) mostra que 90% dos rios brasileiros têm relação hidráulica e dependência dos aquíferos.
Dessa forma, o gerenciamento dos recursos hídricos tem que considerar os aquíferos como parte (efetiva) do ciclo hidrológico, e não há como ter um uso responsável e sustentável das águas sem considerar os aquíferos, onde encontram-se 97% da água doce e líquida do planeta.
A potencialidade de problemas causado pela extração de poços é um alerta para que os gestores ambientais e de recursos hídricos olhem essas regiões com atenção e peçam estudos de detalhe, comprovando ou não o impacto.

No Brasil, acredita-se que 80% dos poços tubulares (os chamados artesianos ou aqueles perfurados com uma sonda) são irregulares ou desconhecidos.
Nosso país é o 8º maior usuário de água subterrânea e o seu uso se faz por autorização dada pelo Estado, através de mecanismos de outorga.
Embora a irregularidade dos poços esteja diminuindo, sobretudo em estados como São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco e Ceará, a irregularidade é regra e isso dificulta uma gestão adequada. Afinal, como é possível gerenciar um recurso quando a maior parte dos seus usuários é irregular ou clandestina?
Acho que, como a maioria dos pesquisadores, eu tomei conhecimento desse artigo por meio da mídia, que deu um grande destaque à pesquisa. O que mais chamou a atenção foi o título da reportagem, que afirmava que mais de 50% dos rios estavam secando. Assim, o título ganhou o mundo, mais que o artigo em si.
O trabalho de Gescilam e colaboradores têm muitos méritos. Um deles é usar um conceito e um método simples e ser baseado em dados existentes. É um trabalho de reconhecimento regional e mostra que há potencialidade de impacto da explotação de aquíferos em rios. No entanto, o estudo precisa ser aprofundado e os resultados confirmados com estudos locais.
Uma análise cuidadosa do artigo original, mostra, contudo, que a pesquisa: i) não teve uma abrangência tão ampla, mas sim nas áreas onde há poços com dados suficientes, e ii) que há risco potencial e não necessariamente uma afirmação de que os rios estão efetivamente secando, como induz o título das matérias jornalísticas, mas não o artigo.
O fato de os níveis de poços serem mais baixos que o rio, não necessariamente representa o seu secamento.
Mostra que há potencial de fluxo do rio para o aquífero, mas outros fatores têm que entrar em jogo, inclusive:
· Quanto de água se está retirando do aquífero (em relação a vazão do rio), através do bombeamento;
· Isolamento entre o rio-aquífero (condutância);
· Períodos de maior e menor extrações em relação às vazões sazonais do rio etc.
Assim, o fato de poços terem níveis menores que um rio nas redondezas (no artigo os autores usaram 1 km de distância) não se traduz em problema ao rio ou ao aquífero. Aliás, usar parte da água que flui em um rio para abastecer um poço em sua margem é uma técnica que se chama riverbank filtration e é muito usada desde o final do século XIX na Alemanha e Inglaterra, e ajuda a aumentar a vazão dessas obras.
Outro viés do trabalho é que ele é apoiado onde há poços reportados no cadastro do Serviço Geológico do Brasil e esses geralmente se encontram onde há maior necessidade de água, ou seja, onde há explotação e consequentemente onde há interferências hidráulicas e rebaixamentos. O estudo considerou dados de 146 mil captações, dos quais os autores selecionaram 17,9 mil poços.
Um estudo que o nosso grupo do CEPAS|USP fez para o Instituto Trata Brasil em 2019 estimou a existência de 2,5 milhões de poços tubulares. Hoje, acreditamos que já estamos em 3 milhões de obras. Assim, o banco de dados – que ademais são incompletos, cobre apenas 5% do total de poços. Extrapolar isso para todo o país ou para todos os rios é um erro induzido pelo título.
Caso tivéssemos os dados de todos os poços poderíamos observar resultados melhores, uma assertividade maior e quem sabe os resultados poderiam mostrar uma situação diferente da observada. Não saberia nesse momento dizer se pior ou melhor.
Mas o alerta é válido pois a metodologia é sólida e os resultados consistentes, desenvolvido por uma equipe muito boa.
Fato é que a relação rio-aquífero ainda é tema pouco estudado no mundo, e particularmente pelo país. A boa gestão dos recursos hídricos passa por esse entendimento. Dada a complexidade dos estudos hidrogeológicos, as áreas onde há mais perigo de ocorrência de problema, ou seja, onde há maior densidade de extração, deveríamos estudar com detalhes para comprovar os reais impactos e depois, resolvê-los.
Para saber mais sobre o projeto SACRE | Soluções integradas de água para cidades resilientes, acesse:
Composição da água subterrânea pode afetar os resultados da remediação voltada à adsorção de PFAS