Caminho do Sertão: o relato de uma travessia pelo Cerrado
Por Marina Tiengo, analista ambiental do Instituto Ekos Brasil
Tive o prazer (e a coragem) de encarar 7 dias de caminhada, ou cerca de 174km a pé da Vila de Sagarana à Chapada Gaúcha, entre os dias 6 e 14 de julho deste ano, em uma travessia que é uma verdadeira imersão socioambiental e literária pelo sertão de Minas Gerais: o Caminho do Sertão.
E, hoje, 11 de setembro, Dia Nacional do Cerrado, trago o relato dessa experiência para vocês, a fim de pautar a importância da conservação de um bioma tão rico em biodiversidade, tão pouco conhecido e já tão ameaçado.
Espero que essa experiência aproxime você, assim como me aproximou, desse rico e mal tratado patrimônio brasileiro.
Passos inspirados pela natureza e pela literatura
Junto a um grupo de 73 pessoas percorri o Caminho do Sertão, um roteiro repleto de inspiração, seja pela beleza do Cerrado, seja pela consagrada obra de Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas, narrada nesse pedaço tão incrível de Brasil.
O Caminho do Sertão tem seus limites dentro de parte do Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu, um conjunto de áreas protegidas entre as regiões norte e noroeste de Minas Gerais e parte do sudoeste da Bahia, especialmente no núcleo Sertão Veredas, entre os municípios de Arinos e Chapada Gaúcha.
Percorri algumas Unidades de Conservação como a Reserva Estadual de Desenvolvimento Sustentável Veredas do Acari, o Parque Estadual Serra das Araras e o Parque Nacional Grande Sertão Veredas. E, junto aos caminhantes, também tive contato com comunidades tradicionais, assentamentos rurais e pequenas vilas, como a Vila Sagarana, Morrinhos, Fazenda Menino, Barra da Aldeia, Serra das Araras, Morro do Fogo, Barro Vermelho e Vão dos Buracos. Natureza e vida humana em um convívio cheio de desafios!
O sertão em todos os sentidos
As distâncias diárias variavam de 20 a 30 km! E durante todo esse tempo era possível imergir em conversas, em silêncio, caminhar acompanhada e também desacompanhada, ouvir o canto dos periquitos verdes, os gritos das araras, as risadas das seriemas, avistar os extensos “areiais”, as árvores tortuosas e escutar o barulho do vento nas folhas dos buritizais.
E todo final de dia era aquele espetáculo: o céu se coloria de amarelo, laranja, rosa e lilás, presenteando a chegada dos caminhantes no local de pouso. E para completar a experiência, intervenções artísticas traziam para perto o mundo dos personagens Riobaldo, Diadorim e Miguilim, como parte da programação da travessia.
Passei por belas paisagens, por veredas preservadas e por diferentes fitofisionomias do cerrado: cerradão, cerrado sensu stricto, campo cerrado, campo sujo e campo limpo. E também, logo no segundo dia, por seis longos quilômetros no meio de uma monocultura de soja, que se estendia até o horizonte. A caminhada também proporcionou a reflexão crítica sobre as questões socioambientais e agrárias presentes na região.
O encerramento da travessia aconteceu conjuntamente com o XVIII Encontro dos Povos do Grande Sertão Veredas, em Chapada Gaúcha.
Uma experiência que vou levar para toda a vida e que ainda me acompanha todos os dias nessa jornada de trabalho pela preservação da nossa biodiversidade.
Saiba mais sobre o Cerrado
Segundo o ICMBio, o Cerrado é o segundo maior bioma da América do Sul, ocupando cerca de 23,9% do território brasileiro. O bioma abriga nascentes das três maiores bacias hidrográficas do continente (Amazônica/Tocantins, São Francisco e Prata) e é considerado um hotspot mundial de biodiversidade, ou seja, possui alta biodiversidade e endemismo de espécies e vem sofrendo grande perda de habitat.
De acordo com Souza, Flores, Colletta e Coelho, historicamente o Cerrado foi erroneamente considerado como uma vegetação de segunda categoria, o que traz reflexos até hoje do ponto de vista do respaldo sobre a importância de sua conservação. A partir da década de 50 o bioma tem sofrido um intenso processo de degradação, principalmente devido ao avanço da fronteira agrícola.
Atualmente o Cerrado possui menos de 20% de sua cobertura original, já bastante fragmentada, e, segundo o MMA, apenas 8,21% de sua área total é legalmente protegida por Unidades de Conservação.