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Caatinga: vocação para a energia renovável

Cibele Lana 27 abr 2021

Caatinga: vocação para a energia renovável 

O Ekos Brasil entrevistou o engenheiro florestal e coordenador geral da Associação Plantas do Nordeste, Frans Pareyn, sobre os desafios e os potenciais da Caatinga para o desenvolvimento sustentável do Brasil. Leia na íntegra. 

Ekos Brasil – Frans, como vai a nossa Caatinga? 

Nossa Caatinga tem em torno de 84 milhões de hectares. Com a ajuda de uma ferramenta, observamos que em 1985, a Caatinga tinha 68% de cobertura original. Em 2018/19 esse número baixou para 59%

Isso significa que a Caatinga perdeu cobertura? Sim, perdeu. Mas quando olhamos de perto, a maior perda aconteceu antes dos anos 2000. A partir de então, a perda foi pequena e praticamente ficou em um equilíbrio, na faixa dos 60%. 

Isso dá uma certa tranquilidade. Significa que minimamente a Caatinga vem sendo mantida. Mas significa que não há desmatamento? Não. O desmatamento acontece sim. Mas nesse caso, o bioma é diferente dos outros

A perda e a recuperação ficam espalhadas dentro do bioma. Temos um mosaico de áreas de perdas e ganhos. Mas a cobertura (paisagem) mais ou menos se mantém. Isso é bem diferente de Cerrado e Amazônia, onde há uma perda diferente da floresta. 

Ekos Brasil – E por que isso acontece? 

Isso é um reflexo dos sistemas tradicionais de produção dentro bioma como a agricultura de pequena escala, a exploração da vegetação para abrir áreas agrícolas, usar num determinado período e depois deixar de novo para a recuperação florestal. 

A vegetação da Caatinga, por exemplo, tem tido uma importância grande na pecuária extensiva, pois oferece forragem nativa para os animais domésticos. Então, nem em fazendas grandes o pessoal desmata tudo, porque a própria Caatinga tem esse suporte forrageiro, dá essa contribuição para essa atividade tradicional. 

Isso é totalmente diferente do Cerrado e da Amazônia. 

E isso também significa que não podemos tratar o Bioma Caatinga como os outros. As políticas públicas deveriam estar adequadas para esse sistema produtivo. Mas ao longo da história, vimos que ela é usada para áreas agropecuárias e madeira, dois motivos principais pra exploração sua exploração. 

Paisagem da Caatinga na Paraíba/Wikipedia

Ekos Brasil – Esse tipo de exploração é o maior desafio da Caatinga hoje? 

Essa é a grande questão. Paralelamente aos cerca de 7,3 milhões de hectares de Caatinga protegidos em Unidades de Conservação, que representam apenas 8,08% da área original do bioma original, em diferentes graus de proteção, temos uma população relativamente grande no semiárido e que diariamente pressiona os recursos naturais existentes. 

Uma das atividades principais para essa população é a extração de lenha/madeira. Porém, a vegetação não tem muita vocação para madeira, porque são árvores menores. Mas tem uma vocação para biomassa de energia, então serve muito bem para produção de energia. 

Recentemente fizemos um estudo e vimos que, atualmente, o setor industrial e comercial da região do bioma demanda anualmente em torno de 7 milhões de toneladas de matéria seca, isso para atender a energia calorífica em processos industriais como cerâmicas, padarias, casas de gesso, etc. Praticamente todas as indústrias do Nordeste funcionam com biomassa (lenha). 

E quem cozinha com lenha e carvão também precisa dessa mesma quantidade, cerca de 7 milhões de toneladas de matéria seca. Porém, no caso domiciliar acontece a catação de madeira morta na floresta, ao menos na zona rural. Enquanto o setor industrial desmata para atender fornos e caldeiras. 

Ekos Brasil – E na sua opinião, como essa demanda pode ser atendida de forma sustentável? 

Por um lado, temos várias fontes de biomassa para energia, além da lenha: algaroba, poda de caju, poda de frutífera, bambu, eucalipto, etc, para atender essa demanda energética. Todos esses juntos, hoje representam 5,5 mi de toneladas. 

Ou seja, ainda temos um déficit (em relação às 7 milhões de toneladas de demanda) que é abastecido por lenha da Caatinga

Isso não seria um problema se o déficit fosse abastecido pela madeira proveniente dos planos de manejo, mas todos os levantamentos que temos, inclusive de 2018, vimos que os planos de manejo representam apenas 300 mil hectares.

As áreas manejadas são uma fonte de renda, garantem conservação da biodiversidade e abastecem a demanda por energia, que precisa ser atendida e que a outra alternativa seria o uso de combustíveis fósseis. 

Se quisermos nos adequar às preocupações atuais em termos ambientais, isso significa conservar a biodiversidade, conservar o ecossistema e evitar a emissão de Gases de Efeito Estufa. Por isso, a produção sustentável de energia renovável é a melhor opção. 

E a Caatinga se adequa muito bem. Ela tem capacidade de produzir! Já conhecemos com bastante segurança o grau de produtividade que existe em suas diversas regiões e há um sistema de manejo que garante sua sustentabilidade a longo prazo. 

Por exemplo, imagine que eu, Frans, tenho uma cerâmica que precisa de lenha todo mês para produzir telha e tijolo. Tenho várias alternativas para energia. Se for fogo a lenha, posso usar lenha nativa ou biomassa. Só que boa parte da lenha que compro vem de fonte não identificada, ilegal. O que posso fazer? 

Conheço uma fazenda localizada na Caatinga, mas que faz plano de manejo, ou seja, contratou um engenheiro florestal que estimou qual a produção possível de madeira de acordo com um ciclo de corte, submeteu o plano ao órgão ambiental que anualmente vai emitir uma autorização para exploração da área de caatinga. E aí essa lenha é vendida legalmente para qualquer demanda. E eu posso comprar. Então, a minha cerâmica não emite Gases de Efeito Estufa porque comprei madeira de manejo sustentável. No nosso entender o balanço é neutro. Vou emitir, mas esse carbono é paulatinamente reincorporado na floresta que está crescendo. Isso é uma opção fantástica para contribuir no balanço das emissões. 

Usar a energia renovável da Caatinga é uma fonte de renda local. É um sistema barato e faz bem pra economia local. Tem um apelo social e econômico para geração de renda e emprego. Especialmente em uma região que carece de oportunidades produtivas. Por isso, defendemos muito o manejo florestal da Caatinga. O manejo pode ser integrado com a pecuária, desde que se respeite as quantidades de carga, com a apicultura, etc. Não tem muito conflito de interesse. 

No entanto, de 2015 a 2018 (último dado disponível) tivemos uma queda absoluta: tivemos menos área manejada em 2018 do que em 2015, ou seja, menos oferta de lenha manejada, enquanto a demanda aumentou. Isso é catastrófico, temos mais lenha ilegal, sem controle, sem garantia de evitar emissões GEE.

De acordo com nossas estimativas, precisaríamos ter 1,5 milhões de hectares manejados, aí sim teríamos uma situação ambientalmente correta. 

Algaroba na Caatinga | Foto: Glauco Umbelino/Wikipedia

Ekos Brasil – E por que não temos mais manejo sustentável na Caatinga? 

Em termos de legislação, para que não houvesse nenhum aproveitamento ilícito da Caatinga, os órgãos ambientais se tornaram muito exigentes, o que é bom, mas pouco eficiente. Se há intenção em fazer um plano de manejo, a pessoa desiste no meio do caminho. Não existe uma política de incentivo ao plano de manejo. E na maioria dos casos se diz apenas o que não pode. Não é desenhado para ser algo atrativo. 

Não reclamo dos órgãos ambientais. Mas o fazendeiro, por exemplo, pensa 3 vezes antes de entrar com uma solicitação para plano de manejo. 

Se eu fosse um órgão ambiental, receberia e já iria perguntar o que ele precisa. É muito melhor do que qualquer desmatamento descontrolado. 

E o principal motivo de isso não avançar é a mentalidade, a opinião generalizada que se implementou que o uso de floresta é algo ruim porque temos uma pressão de desmatamento. Também sou contra o desmatamento, mas do uso sustentável da floresta não posso ser. É possível um uso adequado, racional, evitando perda de cobertura, de serviço ecossistêmico, mas possibilitando proveito econômico. 

E não vejo isso acontecer sem políticas públicas. 

Infelizmente quem faz certo e quem faz errado é tratado igual pela lei. E se eu faço certo, custa mais caro. 

 

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