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Afinal, o que é um megasite?

Cibele Lana 15 jun 2021

Afinal, o que é um megasite?

A definição do termo “megasite” ainda abre margem para discussões entre muitos daqueles que trabalham no setor de áreas contaminadas e pesquisadores da área ambiental. Segundo o programa WELCOME (Water, Environment and Landscape management at Contaminated Megasites), desenvolvido na União Europeia, um megasite pode ser definido como uma área de grandes proporções (composta de 5 a 500 km²) com diversas fontes de contaminação, provenientes de atividades industriais presentes ou passadas, gerando um impacto considerável ao ambiente (águas subterrâneas, águas superficiais e/ou por vias aéreas). Na conferência de Lille, na França, organizada pela NICOLE, Steve Wallace também apontou em sua definição do termo a necessidade do envolvimento de mais de um proprietário da área para o completo entendimento dos riscos e para o desenvolvimento de uma solução efetiva. 

Por conta de sua complexidade e extensão, a União Europeia entende que megasites dificilmente têm seus projetos de remediação e redesenvolvimento concluídos em curto prazo, representando comumente um desafio de muitas décadas. Para facilitar o gerenciamento de tais áreas, o programa WELCOME desenvolveu a Estratégia de Gerenciamento Integrado (Integrated Management Strategy – IMS), com o foco em auxiliar gestores a identificar quais áreas apresentam maiores riscos, estabelecer prioridades para redução destes riscos e definir investimentos, minimizando custos e maximizando a eficiência da gestão.

Um excelente exemplo de aplicação do IMS, que pode ser utilizado como estudo de caso para inúmeros projetos envolvendo megasites no futuro, é o redesenvolvimento do Porto de Rotterdam, na Holanda. Contando com cerca de 3 mil áreas industriais (sendo cerca de 1 mil ainda ativas), de 10 a 15 mil fontes de contaminação e uma extensa área de 5 mil hectares, o  gerenciamento do Porto de Rotterdam foi desenvolvido utilizando uma avaliação de risco baseada em clusters (agrupamentos), em que áreas que apresentavam riscos semelhantes aos receptores eram agrupadas, considerando que, nestas opções similares de gerenciamento, poderiam ser aplicadas. Foram considerados como receptores as águas superficiais, as águas subterrâneas sob o porto e as que desaguam nos diques, e os receptores na superfície dos sites. 

O formato integrado do gerenciamento permitiu a eficiência econômica do projeto, além de um melhor entendimento holístico da contaminação em uma área de complexas condições hidrogeológicas. É importante lembrar que as diferentes fontes e plumas de contaminação interagem entre si no ambiente, por muitas vezes se sobrepondo e até mesmo alterando algumas de suas propriedades ao longo do tempo e também como resultado dessas interações e esforços pontuais. Assim, a remediação de uma pequena área, de forma não integrada, não é apenas ineficiente no sentido de não considerar essas interações completamente, como também pode gerar alterações nas plumas e fontes das redondezas do terreno. No caso do Porto de Rotterdam, foi estimado que, mesmo que fosse tecnicamente viável a condução de projetos de remediação pontuais em cada site separadamente, o custo total destes esforços alcançaria cerca de 1,5 bilhões de euros.

A aplicação do IMS no Porto de Rotterdam intenciona fomentar a abordagem integrada para gerenciamento de riscos para os próximos 50 anos, garantindo a qualidade da água subterrânea local e a mitigação de riscos em uma área que hoje é, além do maior porto marítimo da Europa e importante rota de entrada e saída de insumos no continente, também uma interessante opção turística na região metropolitana em que se insere.

Dentre outras ações, foi de grande importância realizar um inventário extensivo de todo o megasite, possibilitando o desenvolvimento de um modelo conceitual da área. Assim, concluiu-se, por exemplo, que a redução de descartes industriais seria mais eficiente no manejo da contaminação em corpos d’água superficiais, em comparação com a descarga de contaminantes proveniente do solo. Outra estratégia adotada proveniente das conclusões fornecidas pelo modelo conceitual desenvolvido foi a combinação de ações localizadas, pontuais a cada site, de remoção de hot spots de solo e água subterrânea (em aquífero raso) contaminados, e ações abrangentes a todo o megasite, focando na atenuação natural aprimorada da contaminação do aquífero profundo, com instalação de barreiras de contenção nas fronteiras de alguns sites, quando necessária. Por fim, em acordo com a legislação vigente (local e da União Europeia), o sistema aquífero raso nas redondezas do megasite foi considerado uma zona de gerenciamento de riscos.

Naturalmente, houveram (e ainda há) dificuldades encontradas na aplicação do IMS no Porto de Rotterdam, incluindo barreiras legislativas, envolvimento do público e integração de stakeholders. Ainda assim, porém, é um interessante estudo de caso que mostra a complexidade do gerenciamento de megasites e a importância da adoção de metodologias integradas para este fim, de modo a permitir a obtenção de resultados positivos e interessantes para todos os envolvidos de forma eficiente e com bom custo benefício.

No Brasil, o termo “megasites”, com a conotação aqui expressada, ainda é pouco explorado e conhecido até mesmo pelo próprio mercado de gerenciamento de áreas contaminadas. No XI Seminário Ekos, que ocorreu em outubro de 2018, foi apresentado pelos autores José Carlos Rocha Gouvêa Junior, Lélia Cristina da Rocha Soares e Marilda Mendonça Guazzelli Ramos Vianna um artigo descrevendo a aplicação do IMS em um megasite de grande relevância na cidade de Volta Redonda, no Rio de Janeiro. A aplicação resultou na definição de clusters específicos para a área, além do planejamento de etapas subsequentes, envolvendo a classificação de áreas de atenção localizadas no interior do site, a elaboração de um programa de investigação e monitoramento para cada área de atenção definida e a delimitação dos limites do site e áreas de contorno, facilitando assim o gerenciamento integrado. Como ponto principal, a aplicação do IMS na área mostrou a viabilidade do modelo e o potencial que este ainda representa para outros megasites no país. O resumo do estudo pode ser encontrado no site da rede NICOLE Latin America (em inglês).

De forma a explorar o tema de forma mais abrangente e aprofundada no contexto brasileiro, a rede NICOLE está desenvolvendo publicações focadas nos conceitos relacionados a megasites e o potencial da aplicação de modelos como o IMS em outras localidades do território nacional, incluindo o levantamento dos megasites hoje existentes na região e de estudos de caso que ilustrem a importância de abordagens integradas.

O entendimento aprofundado de áreas tão complexas como megasites e o desenvolvimento e aplicação de modelos integrados de gerenciamento destas áreas, de forma a possibilitar o correto manejo dos impactos negativos e a exploração do potencial de impactos positivos, são fatores de evidente relevância para o mercado ambiental brasileiro. Espera-se que o tema seja cada vez mais debatido nos próximos anos, e abra portas para inovações e mais pesquisas com foco nacional.

 

Referências:

REPORT OF THE NICOLE WORKSHOP: Sharing experiences in the management of megasites: towards a sustainable approach in land management of industrially contaminated areas. Lille, France. 29-31 October 2003.

Durant, N.D.; Cox, E. E. Management of Megasites in the United States: Remediation Strategies, Technology Selection, and Cleanup Costs. [ONLINE] Disponível em: https://www.miljoeogressourcer.dk/filer/lix/3030/6_20-_20Neal_20Durant.pdf. Acesso em maio de 2021.

Malina G., Krupanek J., Sievers J., Grossmann J., Meer J., Rijnaarts H.H. Integrated Management Strategy for Complex Groundwater Contamination at a Megasite Scale. In: Twardowska I., Allen H.E., Häggblom M.M., Stefaniak S. (eds) Soil and Water Pollution Monitoring, Protection and Remediation. NATO Science Series, vol 69. Springer, Dordrecht, 2006. https://doi.org/10.1007/978-1-4020-4728-2_37

Gouvêa Jr., J. C. R.; Soares, L. C. R.; Vianna, M. M. G. R. Integrated Management Strategy for Usina Presidente Vargas (UPV) Megasite. [ONLINE] Disponível em: http://nicolelatinamerica.com/wp-content/uploads/2021/03/IntegratedManagementStrategyforUPVMegasite.pdf. Acesso em maio de 2021.

 

 

 

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