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A jornada de uma mulher cientista no Brasil

Cibele Lana 07 fev 2024

Uma entrevista com Marcela Firens, Doutora em Botânica.

Desde 2015, a Unesco incentiva a sociedade civil a celebrar o Dia Internacional de Meninas e Mulheres na Ciência, em 11 de fevereiro, com o objetivo de fomentar a inserção e a valorização feminina na comunidade científica.

O Ekos Brasil é uma organização liderada por mulheres e compreendemos a importância de nos juntarmos a essa causa. Ainda mais diante de dados como da própria Unesco que apontam apenas 33.3% como média global de pesquisadoras e somente 35% de mulheres dentre todos os estudantes das áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM).

Este ano, chamamos para uma conversa nossa Coordenadora de Projetos Ambientais da Área de Biodiversidade do Ekos Brasil, Marcela Firens, Doutora em Botânica pela UNICAMP.

Marcela, conta pra gente sua formação e como você se interessou pela Ciência.

Sou bióloga de formação pela ESALQ/USP. Na verdade, sempre gostei muito de plantas porque minha família sempre trabalhou com elas, com mudas e com cultivo. Então, tive essa influência mesmo sem saber. Mas não quis ser agrônoma, eu queria mesmo era pesquisar as plantas no seu ambiente natural.

Entrei na faculdade de Biologia e uma hora tive que decidir qual área seguir e decidi pela Botânica. Já na época de estagiária, ía a campo e sentia que estava realizando um sonho de criança.

E depois da faculdade, já veio o Mestrado, foi isso?

Sim! Entrei na UNICAMP e a minha pesquisa foi um levantamento florístico na Serra da Canastra, em Minas Gerais, de uma família de plantas chamada Rubiaceae. Fiquei um ano em campo, indo periodicamente a uma determinada região da Serra para encontrar e nomear espécies dessa família, que é a família do café. Cheguei a mais de 100 espécies durante a coleta, com fotos e exemplares. Além do campo, também vivenciei um longo período dentro do herbário, nomeando e descrevendo meus achados.

E parece que sua jornada como cientista continuou, certo?

Isso. Logo depois do Mestrado, parti para o Doutorado e dessa vez para estudar um gênero da família Rubiaceae, Manettia, que tem mais de 100 espécies. Eu queria muito entender a relação de parentesco entre as espécies de Manettia, então além da descrição, fiz a filogenia das plantas.

E onde você fez o trabalho de campo desta vez?

As espécies de Manettia podem ser encontradas do México ao Uruguai, por isso tive a oportunidade de percorrer México, Colômbia, Bolívia, Peru, Argentina, Uruguai, além do Brasil. E algo bem legal foi que no Doutorado pude fazer um período “sanduíche” na Suécia, na Universidade de Gothenburg. Ali, fiz toda a parte de genética da pesquisa e ainda pude visitar diversos herbários da Europa.

Minha pesquisa ajudou a montar o grau de parentesco para o gênero Manettia. Conseguimos ver qual o relacionamento entre algumas espécies e responder perguntas como “quem surgiu primeiro?”, “por que essa é parecida com aquela?” e ainda “é parecida porque é irmã ou porque teve uma convergência?”.

Quando meu Doutorado finalizou, em 2015, realizei outro sonho de menina que foi ser Professora Universitária e ensinar Botânica.

Marcela, durante sua vida como cientista, você sentiu alguns desafios por ser mulher?

Sim. Se por um lado tive a sorte de conhecer muitas mulheres cientistas, até porque a Botânica é uma área com muitas mulheres e pudemos ir a campo juntas, por outro, não foi uma jornada fácil. Vivemos em um país que não é seguro para mulheres e algumas vezes era preciso ir para o meio do mato, dirigir por estradas de terra e eu sempre tinha muito receio. Certa vez, meu pai foi comigo, de motorista, em uma viagem a campo por conta do medo.

Em outra situação, durante uma das minhas bancas de defesa escutei “não vai ficar grávida, hein”. Engravidar significava colocar em perigo o Mestrado, o Doutorado, a bolsa de estudos e perder o apoio da academia. Era um terror ficar grávida. Vi muita gente desistindo da maternidade ou deixando para depois por falta de apoio. Os homens não passavam por isso.

E, por outro lado, o que a vida como cientista te proporcionou de oportunidades?

Ah, muita coisa. Além dos conhecimentos científicos, temos uma vivência cultural enorme, inimaginável quando entramos na universidade. Eu, por exemplo, conheci vários estados do Brasil, outros países, pessoas e culturas muito diversas, outras universidades e outras mulheres cientistas incríveis. Pude falar outras línguas, acessar acervos de museu que só os cientistas têm esse privilégio.

Isso tudo me abriu o mundo, me fez sair do “casulo” e mudou minha percepção sobre muitas coisas. A vida junto à Ciência permite que a gente seja menos preconceituoso, menos racista, menos dono da verdade. Ajuda a ver a biodiversidade e a diversidade. E claro, me fez realizar meus dois sonhos de menina: ser cientista e ser professora.

E o que você diria para outras meninas e mulheres que desejam seguir a carreira científica, Marcela?

Eu diria que não é fácil viver de bolsa de estudos, fora de casa e às vezes longe da família. Mas vale a pena! Quando você realiza um sonho é tão importante, tão gostoso. Todas as profissões têm suas dificuldades, especialmente para as mulheres, mas temos que aumentar essa proporção de mulheres na Ciência. Só assim mulheres poderão dar as mãos para que outras meninas continuem.

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