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Por Elizabeth Oliveira, publicado originalmente em ((o))eco, em 16 de julho de 2025.
Em mais de duas décadas, a implementação dessa legislação ambiental passa por desafios, mas seu legado de proteção da natureza e dos modos de vida tradicionais é inegável
“Mais do que nunca há motivo para comemorar sim”, afirma a engenheira agrônoma Maria Cecília Wey de Brito, diretora de Relações Institucionais do Instituto Ekos Brasil, em entrevista ao ((o))eco. Como ambientalista e especialista de longa trajetória, ela participou ativamente da construção da Lei 9.985 que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), em 18 de julho de 2000, e, nesta quarta-feira (16), integrou as atividades oficiais de celebração, promovidas pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). Em conversa com a reportagem, na véspera do evento, destacou que esse arcabouço legal de importância central para a proteção da biodiversidade e modos de vida tradicionais do país levou mais de dez anos em debates que agregaram uma diversidade de vozes e visões. Defendeu, ainda, que apesar de todas as limitações que têm impactado o seu processo de implementação, a força do legado do SNUC é inegável.
Maria Cecília Wey de Brito. Vale a pena comemorar muito esse marco. Apesar das inúmeras dificuldades enfrentadas para a sua implementação e das críticas sofridas devido a essas e outras questões, a lei se manteve intacta durante todo esse tempo.
Para além da importância da proteção da biodiversidade, com avanços alcançados em termos de ampliação de ambientes legalmente protegidos, o SNUC conseguiu fortalecer a participação social no processo de instituição e gestão de unidades de conservação. Essa conquista tem garantido uma diversidade de vozes que vai de técnicos e ambientalistas às populações tradicionais e outros segmentos. Embora os territórios tradicionais sejam espaços de resistência historicamente, se não fosse pelas garantias asseguradas por essa lei, em função de inúmeras pressões, certamente, muitas populações que hoje habitam as UCs no país já teriam sido empurradas para as periferias das cidades.
Participando de várias reuniões e debates na época de construção dessa lei, eu me lembro que existia sim essa divisão de percepções. Era forte ainda o olhar mais direcionado à proteção das paisagens, da vegetação e de outros elementos naturais. No entanto, muitos avanços foram alcançados em termos de conciliação devido às batalhas que foram travadas por Chico Mendes e outras lideranças. Essas personalidades do movimento socioambientalista, incluindo a atual ministra Marina Silva, perceberam a importância de assegurar a presença das populações tradicionais em territórios protegidos legalmente, onde suas culturas pudessem se manter. Houve muita luta política para defender a ideia de que essas populações protegem a natureza com seus modos de vida. Dessa forma, os deputados federais Fabio Feldman e Fernando Gabeira, que foram relatores do SNUC, conseguiram acomodar debates internos e depois externos, ao incluir como categorias inovadoras as Reservas Extrativistas (Resex) e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) na proposta de lei do SNUC.
Os embates devem continuar existindo para o afrouxamento da legislação ambiental, considerando o Congresso como está hoje e o que devemos ter após as próximas eleições. Além disso, temos visto muita resistência dos governos estaduais em relação às Unidades de Conservação. Mas precisamos refletir que o SNUC é uma lei que regulamenta diretrizes da Constituição que obrigam todos os entes [federais, estaduais e municipais] a criarem áreas protegidas. Não se pode parar processos quando os governos não querem. Independentemente de posição política, é preciso desconstruir essa ideia de muitos que seguem contrários à proteção da natureza e dos modos de vida de populações tradicionais.
Sim, eu me sinto otimista. Principalmente, por ter observado e participado de grandes transformações no país ao longo desse tempo. Melhorou muito a capacidade de atuação da sociedade civil brasileira em defesa das lutas coletivas, incluindo as agendas socioambientais. Temos muita construção e um legado enorme. Temos condições de fazer cada vez melhores escolhas diante de disputas que continuarão existindo. Recursos financeiros nunca tivemos o suficiente, mas se houver, certamente daremos um salto, considerando tudo o que já fizemos até aqui, mesmo diante de tantas limitações.
Eu considero que o governo pode e deve trabalhar mais em parceria com a sociedade, valorizando essa alternativa como solução possível. No Instituto Ekos temos exemplos de parcerias muito bem-sucedidas. Uma delas é um Acordo de Cooperação com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para apoio à gestão do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu (MG) e da APA de mesmo nome, com área sobreposta a essa UC. O Parque abriga o Cânion do Peruaçu, recentemente reconhecido como Patrimônio Natural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Com essa unidade de conservação, desenvolvemos um trabalho com excelentes resultados há mais de 20 anos, quase o mesmo tempo de existência do SNUC. Também temos um Termo de Parceria estabelecido com o Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais para fortalecimento da gestão do Parque Estadual do Rio Doce [UC afetada pelo desastre ambiental provocado, em 2015, pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), empreendimento operado pela Samarco].